De repente os dias
são noites. Claro. A noite é parte fundamental. É dona das outras 12 horas. Ultimamente
chega assim tão de mansinho a ponto de assustar. Isso porque até tempos atrás –
se bobear até poucos dias – Dona Zeza (ou só Zeza para os mais chegados), mas
conhecida mesmo como Mãezona era um poço de raridade em se tratando de atenção.
Ela via, ouvia, cheirava, sentia, intuía... A famosa assoviadora e chupadora de
cana nata. Para ser bem atual, conseguia prestar atenção em todas as janelas de
seu notebook, ao mesmo tempo mexia no tablete, assistia televisão, conversava
com as visitas em casa, lia um livro, cantava uma música e ouvia outra. Um fenômeno
da Geração Plugada. Só... Bem ela era
mãe desde os anos 40. Foi mãe dos pré-históricos Baby Boomers. E Mãezona
contava assim...
Não. Não tinha
ansiedade crônica. Tirava o som dos jogos, do celular e dos aplicativos do smartphone.
Tentava não se conectar em mais de um período e dificilmente estava online aos
fins de semana. Quando viu as horas. Levantou correndo. Procurou o smartphone –
perdido pela incrível segunda vez – como se o dito praga de mãe pega fosse verdade. Ela não acreditava. Porque
nenhuma das suas pegou... Por enquanto... Mesmo tão plural, Mãezona, dormia nos
horários e acordava cedo. Aproveitava tudo de tudo. Como disse era rara. Atenta
e aconselhadora, certa feita, começou a falar. Por horas falou. Zeza sempre
achava hoax (embuste, enganação, falsa
notícia), lenda urbana para enganar bicho-papão, portanto não acreditava
ser possível desconectar da realidade e não guardar um palavra da conversa. Ela
nunca inventou uma história. Contava a verdade e pronto. Assim dizia Mãezona...
Zeza parecia
entorpecida. Concordava consigo mesma. Estava no automático. Sua mente sabia o
tom para perguntas pedindo respostas positivas e também para negativas. Parecia
enxergar através de si mesma. Começou a suar e se coçar. Parecia o Alemão (o
tal do Alzheimer) ter chegado na surdina e dado aquele nocaute nos sentidos da
Mãezona. Era exatamente o temor dela. Por isso, sempre se manteve tão ativa. Jogando
verde e se doendo ao fingir não querer se intrometer na vida dos filhos. Bem...
Zeza teve um para cada década. Nos nossos anos 2000 ela teve o sétimo e
último... Como disse era rara... Não quis saber de imprensa. Deste cardume de
focas achando sair um dia desta condição... – Amadores, pensava ela.
Era jovem para os
seus 94 anos. Parecia metade e ninguém sabe, na verdade, esta ser a idade dela.
É uma adolescente tardia sempre esta Mãezona.
Ela só se sentia livre quando tinha alguém para cuidar. Apesar, de ferida
várias vezes, roubada, sequestrada e com o coração tão remendado parecendo o
arremedo de um coração... Ainda daria a vida pelos seus filhos. Tudo de valor
era seu Amor para os filhos do mundo, adotados por ela. Mesmo os ingratos por
terem sido tão maltratados pelas ruas. Por isso, se assustou pela segunda vez
no mesmo dia, aliás, noite. Quentes lágrimas despencavam dos seus olhos e
pareciam lavá-la era uma chuva salgada contida há tanto tempo... Mas tão de
repente quanto veio, a noite se perdeu pela madrugada. Quando a manhã raiava
Mãezona já nem lembrava de suas preocupações e começava mais um dia com o mesmo
esqueleto de histórias, mas com outro enredo.
Um comentário:
Muito bom. Mamy
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