quarta-feira, maio 14, 2014

Histórias que Mãezona conta (miniconto) – por Rafael Belo


De repente os dias são noites. Claro. A noite é parte fundamental. É dona das outras 12 horas. Ultimamente chega assim tão de mansinho a ponto de assustar. Isso porque até tempos atrás – se bobear até poucos dias – Dona Zeza (ou só Zeza para os mais chegados), mas conhecida mesmo como Mãezona era um poço de raridade em se tratando de atenção. Ela via, ouvia, cheirava, sentia, intuía... A famosa assoviadora e chupadora de cana nata. Para ser bem atual, conseguia prestar atenção em todas as janelas de seu notebook, ao mesmo tempo mexia no tablete, assistia televisão, conversava com as visitas em casa, lia um livro, cantava uma música e ouvia outra. Um fenômeno da Geração Plugada.  Só... Bem ela era mãe desde os anos 40. Foi mãe dos pré-históricos Baby Boomers. E Mãezona contava assim...

Não. Não tinha ansiedade crônica. Tirava o som dos jogos, do celular e dos aplicativos do smartphone. Tentava não se conectar em mais de um período e dificilmente estava online aos fins de semana. Quando viu as horas. Levantou correndo. Procurou o smartphone – perdido pela incrível segunda vez – como se o dito praga de mãe pega fosse verdade. Ela não acreditava. Porque nenhuma das suas pegou... Por enquanto... Mesmo tão plural, Mãezona, dormia nos horários e acordava cedo. Aproveitava tudo de tudo. Como disse era rara. Atenta e aconselhadora, certa feita, começou a falar. Por horas falou. Zeza sempre achava hoax (embuste, enganação, falsa notícia), lenda urbana para enganar bicho-papão, portanto não acreditava ser possível desconectar da realidade e não guardar um palavra da conversa. Ela nunca inventou uma história. Contava a verdade e pronto. Assim dizia Mãezona...

Zeza parecia entorpecida. Concordava consigo mesma. Estava no automático. Sua mente sabia o tom para perguntas pedindo respostas positivas e também para negativas. Parecia enxergar através de si mesma. Começou a suar e se coçar. Parecia o Alemão (o tal do Alzheimer) ter chegado na surdina e dado aquele nocaute nos sentidos da Mãezona. Era exatamente o temor dela. Por isso, sempre se manteve tão ativa. Jogando verde e se doendo ao fingir não querer se intrometer na vida dos filhos. Bem... Zeza teve um para cada década. Nos nossos anos 2000 ela teve o sétimo e último... Como disse era rara... Não quis saber de imprensa. Deste cardume de focas achando sair um dia desta condição... – Amadores, pensava ela.

Era jovem para os seus 94 anos. Parecia metade e ninguém sabe, na verdade, esta ser a idade dela.  É uma adolescente tardia sempre esta Mãezona. Ela só se sentia livre quando tinha alguém para cuidar. Apesar, de ferida várias vezes, roubada, sequestrada e com o coração tão remendado parecendo o arremedo de um coração... Ainda daria a vida pelos seus filhos. Tudo de valor era seu Amor para os filhos do mundo, adotados por ela. Mesmo os ingratos por terem sido tão maltratados pelas ruas. Por isso, se assustou pela segunda vez no mesmo dia, aliás, noite. Quentes lágrimas despencavam dos seus olhos e pareciam lavá-la era uma chuva salgada contida há tanto tempo... Mas tão de repente quanto veio, a noite se perdeu pela madrugada. Quando a manhã raiava Mãezona já nem lembrava de suas preocupações e começava mais um dia com o mesmo esqueleto de histórias, mas com outro enredo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom. Mamy