sexta-feira, junho 26, 2015

Os estágios de Estela



por Rafael Belo

Friamente o médico a chamou e disse: - Você vai morrer no máximo em 12 horas! Se tiver sorte...

Estela olhava para todos os lados e sorria. Algo parecido com estado de choque e incompreensão. Afinal, quem quer entender que vai morrer, assim, de repente? Não queremos nem pensar na naturalidade do fim da vida... – Como assim? Morrer? Em menos de um dia... Não! Eu não posso morrer... Você é desumano...! Foram as últimas palavras que Estela dirigia a alguém. Ela correu sem saber todo o diagnóstico.

A bactéria Clostridium Perfingens faz com que derretemos devagar. Como a Bruxa do Oeste do Mágico de Oz ou, melhor, uma vela. A Bruxa derreteu muito rápido... A infecção causada pela perfingens produz toxinas e interrompe o fluxo sanguíneo do local... O Tratamento é a amputação, mas o médico acreditava que já era tarde e a infecção era generalizada, por isso tanta dor em Estela.

Na verdade, ela já tinha a perfingens há anos desde que se feriu na praia em um caco de vidro sem nem sequer tratar direito. Mas, como vive na sujeira e se torna um esporo praticamente indestrutível, a bactéria escolhe quando se tornar um parasita e já havia bilhões nela quietinhas... Estela correu para seu ponto preferido da cidade. Estava lá só e durante uma longa hora comparada a uma vida inteira negou estar doente, mas, por via das dúvidas, decidiu tirar seus sonhos da fila, afinal ela tinha direito.

Ainda eram 8h e agora ela sentia muita raiva. - Não vou morrer em uma sexta-feira sem aproveitar o fim de semana. Deveria ser aquela vizinha insuportável com aquelas músicas horríveis para até surdo ouvir... Por que eu? Eu que sempre fiz tudo direito vou morrer...? Não demorou muito ela tentava trocar com Jesus, Deus, Buda, Jah, Natureza e todas as seitas e religiões possíveis. Se eu dedicar meus próximos 15 anos a caridade e ausência de julgamento eu poderia viver? Juro que faço doação da metade do meu salário?

Então, veio o choro compulsivo e convulsivo. Ela tremia, se abraçava... Estava encharcada... Ligou o celular e passou quase oito horas conversando com todos da sua lista de familiares e amigos. Contou da sua dor e pediu perdão foi quando tomou consciência que poderia descobrir a vida após a morte. Deitou com o caminho obstruído pelas folhas e adormeceu.

Acordou tremendo de frio, olhou o relógio e a raiva voltou. – Eu mato aquele médico! Mas, lembrou onde estava, respirou fundo e pensou: tenho que estar feliz por estar viva, certo?... A raiva foi embora (temporariamente) e Estela começava mais um novo estágio.

Nenhum comentário: