quarta-feira, março 23, 2011

Morte e vida nas esquinas


*( Em algum lugar alguém chora em demasia pela ausência de quem partiu na romaria das vidas idas e vindas na correnteza... Captei em um dia de chuva)
por Rafael Belo
Sem nome sem rosto sem voz... É como andar dentro de Vidas Secas de Graciliano Ramos ou em Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto, mas pior porque esta diante de nós o tempo todo. Está nos faróis fechados, nas calçadas, praças e em algum lugar coberto com esperanças de não serem expulsos. Tem cheiro de descaso e abandono, rosto comum, cobertor furado, rasgado, remendado ou um papelão. Está lá fora no frio, mas enganados estamos se fingimos estarem distantes. As pessoas comuns e repletas de histórias estão ali agarradas a fiapos de vida, mas repletas de raspas e restos da morte. Porque a vida é isso: sobrevivência.

Mesmo diante de tantas imagens emanando morte viramos o rosto, tampamos os olhos e os narizes pseudohumanos... Lá no calor matador, na desolação ao bel-prazer da escuridão. Não da dualidade da claridade, isso é coisa de quando a complexidade era sumariamente ignorada para a construção de maquetes humanas de ou é ou não é. Somos ambos e uma bagagem toda de história. Cada pessoa passando fome, morrendo de inanição e de carência é fruta da nossa hipocrisia porque no fim – no meio e no começo - todos somos vítimas e algozes, todos somos causa e consequência, todos somos escolhas...  Mas, de fato somos medrosos! Temos medo de olhar para um ‘morador’ de rua e sentirmos pena e sermos levados pelo impulso de ajudar... Somos covardes!

Envolvida está a morte como em tudo na vida... Vemos um reflexo de como as coisas podem dar errado, de como podemos ser simplesmente mais um no meio de uma multidão apática, apressada e de olho nas horas... E o mundo é um borrão. Não dá para dizer de quando as gerações são ‘malcriadas’, mas se não geramos este mundo, nós somos o borrão desta realidade kafkaniana onde somos completos retirantes Severinos ou um desnome qualquer, acordando cada dia como um gigante inseto diferente explorados pela exploração cultivada no nosso quintal, no nosso coração... Vivemos mentindo para nos entorpecer e não chorar diante da dor de vários mundos...

Mas há a morte e a vida não a tampa com o sol. São ‘Processos’ inacabados, são acusações inexistentes, são chifres demoníacos e confissões... Como em um filme a escuridão nos toma e tentamos permanecer gritando “eu existo”, mas no final tudo que não pertence ao corpo fica. Na calçada ficam as roupas, o cheiro, a lembrança, nossas justificativas e porquês constantes, momentos nos quais olhamos para cima e culpamos Deus ou olhamos para o nada e culpamos Lúcifer e fazemos total questão de esquecer o livre-arbítrio ao lado das fatalidades. Não somos personagens planos criados para um romance moralista, bom, somos humanos caramba...!   

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