Trilha - Chão De Giz - Zé Ramalho - Áudio do miniconto Chama Crepitante de giz
(*Felicidade vem da Paz acendida depois do queimar sem ardência esquentar por dentro.) Feliz Natal Foto: Rafael Belo |
Por Rafael Belo
A meia-noite já havia transformado
o sábado em domingo há tempos e a chuva ainda faltava. Era costume até então
não quebrado. Por isso, depois dos Felizes Natais habituais saiu enquanto seus
pares lembravam vários passados mesclados e já contaminavam o ar da esperança,
do novo... Com um quente bafo etílico embriagando qualquer um ainda sóbrio. Andou
ouvindo as mesmas palavras em outros lares, mas caminhou com cautela para não
receber abraços estranhos, mesmo de conhecidos a tentarem queimar todo o chão
passado.
“Tudo bem! Nenhuma mágoa
será guardada”, pensava Natalino com seus passos silenciosos pelas ruas
tumultuadas, cheias de sorrisos a sorrirem pelo menos neste dia depois de
tantos dias de caras fechadas... Talvez por isso, a chuva sempre vinha para deixar
o céu mais limpo e as estrelas cintilantes no céu mais azul. É dia de cantar,
celebrar, dançar o Sol podendo ser Solstício ou Cristo, pois no meio ambos são
um, sendo luz do mundo dia e noite... No céu a aquarela das cores saia de um
breu brilhoso para um claro contido de arco-íris, mas Natalino olhava para o
chão.
No chão o incêndio iniciado
por ele parecia ter transformado tudo em giz e estava ali ardente bruxuleando já
sem queimar - Não era mais a chama iniciada por ele. Todas as cinzas devidas a ali estarem eram brotos verdes e
orvalhados e através do fogo tudo ao alcance do olhar era novo. Diferente de
qualquer chama já vista, aquela era uma só e irradiava com oscilação pulsante. Era
vida pura em seu elemento construtor a estender sua cauda em calda marcada de
rastro de sabores. O céu começava um toque solar para conectar um elemento vivo
a outro. Toda a noite já estava envolvida pela Luz.
Natalino tocou aquilo
parecido com giz no chão e sentiu a Paz vir... Não do tocado, mas de dentro dele
e era como se ele ainda fosse noite até rasgar o medo com a estrela cadente de
sua alma. Mas, o medo ficou em partes
menores para deixar o sossego ainda atento ao mundo de todos. Como se pegasse
aquele giz e desenhasse, voltou buscando abraços etílicos como contornos de
fogo celeste. Não importava a razão sua fé crepitava silenciosamente em seu
retorno, enquanto a suposta chama de cauda voltava para ser guia, para levar
olhares ao céu, para voltar a nascer Estrela de Belém e ficar acima da chuva,
esta a amanhecer o Natal.