Nunca antes...
por Rafael Belo
Ele olhava para o chuveiro na madrugada e deixava escorrer
aquela água enfumaçada de tão quente mesmo com o botão no desligado. Com a água
devedora do refrescar todo o período eleitoral ia pelo ralo e toda lembrança
recente rodopiava junto. Aquele som de chuva encanada permitia o fluir das idéias
e tudo havia acontecido com a descoberta política da internet como nunca antes
na história deste país virtual... Mas aquele último banho de pensamentos
seguiria de nada porque o amanhã já não existia. Agora ele havia terminado.
Mesmo sendo inodoro, o cheiro dos esgotos derreteram as telas
de acesso à internet de dentro para fora. Se formos falar do início demoraria
muitos livros para explicar os reveses a culminarem no baile de máscaras. Então,
vamos editar. No Facebook chegou o convite para o evento e até as hastags do Twitter divulgavam a festa. Era
uma reunião marcando extraordinariamente a mudança de local e data do fim do
mundo. Nada de 21 de dezembro. Tudo aconteceria no dia 31 de outubro a partir
do primeiro minuto na Gruta do Lago Azul em Bonito.
Havia gente de todo pedaço político do planeta escolhidos a
dedo. As pessoas foram chegando e contaminando o ambiente. Cada degrau estava
ocupado e a ocupação se estendia até em flutuação nas azuis águas. A maturidade
ficara perdida em inscrições não vista na entrada da “caverna”. Nada conquistado,
sentido, falado valia mais. Mas o mais estranho era o silêncio. Apenas sons, flashes
e um tec tec tec. Todos haviam recebido os últimos Iphones criados e cada um
tinha o contatos de todos ali selecionados. Lá fora havia choro, ranger de
dentes e todo tipo de gritaria e sons incompreensíveis. Eram dos que
propositalmente viram o convite, mas não foram selecionados.
Aquele autismo egoísta egocêntrico nunca antes havia estado
em situação de coletivo. E lá fora, os excluídos também tinham smarthphones. Auxiliados por um “revoltado
hacker” tiveram acesso ao selecionados. Mas nenhuma rede do mundo aguentaria tanta
falsidade, tantas máscaras caídas, tanto desperdício de inteligência, tanto
raciocínio montado, tanta ética em algum labirinto desconhecido, tanta falta de
conteúdo, tanta moral na sarjeta das timelines
quanto raciocínios ralos rareando... Então, antes do sol nascer ele
abraçava os presentes, os ausentes e os excluídos. Nunca antes a rede mundial
havia caído para não mais se conectar e o amanhã terminou por não conseguir se
levantar.
Um comentário:
Muito bomm...atual...
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