Nosso
silêncio falante
Por Rafael Belo
Houve o costumeiro ensurdecedor
silêncio e então amanheceu. Ele sorria e deixava a paisagem mais divina do
mundo o absorver. Todo dia era diferente, era uma nova alvorada, era uma nova
calma o fazendo ver à totalidade do mundo em detalhes. Como eram importantes os
detalhes! Cada raio acariciando o dia e o fazendo tinha sua particularidade.
Ele não passava o dia se não acordasse com os primeiros raios e os sentisse
acalorarem sua face inchada, mas feliz. Às vezes, sonhava com o sol em plena
noite sem luar.
Ele aproveitava os olhares e
procurava cada um deles em cada olhar. Sorria sempre se possível porque afinal
de contas era um humano como outro qualquer. Sua diferença - gostava de
acreditar - era esta atenção dada a todos, a alma nos olhos e seu sol sorrindo
particularmente quando era possível. Tinha lá muitos problemas, mas se
comparados com quem não tinha família, Amor, casa, sanidade, emprego,
transporte, esposa... Eram ridículos. Era feliz na maior parte do tempo porque
escutava as pequenezes cantando em um João de barro, um bem-te-vi, um sábia, um
gesto de irmão.
Havia coisas a o tirarem do
sério. Mas podia sempre respirar, sorrir, dar uma de contrário: quando o
xingavam ele respondia com elogios... Certa vez estava tão aéreo - devido a
fatos importantes a serem contados em outra ocasião – que deixou todo seu
dinheiro (guardado há um ano para acabar com as dívidas e limpar seu nome e da
esposa) em cima do carro no estacionamento enquanto falava ao celular e
arrumava seu espaço de motorista no veículo. Entrou no carro. Sentou encaixou o
cinto. Ligou o rádio e procurou suas músicas favoritas no pen-drive, e pela
primeira vez não olhou em volta para ver se estava tudo em ordem e no
automóvel. Ligou o carro e saiu. Ao fazer uma curva ouviu algo pesado se
arrastando pelo teto do carro...
Arrepiou-se de imediato. Sua respiração
deu uma leve acelerada e olhava inerte para o retrovisor e viu livro, tablet e
contas, mas não via o dinheiro. Onde estaria?! Parou o carro a alguns metros
sem nada poder fazer. Era horário de pico. Todos os carros passavam em alta
velocidade. Não pôde dar ré. Mas, viu uma criança de bicicleta parar próxima à
suas coisas. Fez uma oração e seguiu o fluxo. Teve de passar por uma rotatória
e dar a volta. Quando conseguiu voltar ao estacionamento nem se lembrava mais
da criança. Desceu e correu. Aflito via apenas alguns papéis e (Não!)...
Seu livro ia sendo seguidas
vezes atropelado. Pensou em correr na frente dos carros, mas sabia não ser
possível pela altíssima velocidade. Respirou e esperou. Seu arrepio passara. Quando
os carros diminuíram, foi ao meio da rua e pegou os vestígios do livro e das
folhas. Lembrou do tablet, mas nem sinal. Seu dinheiro então...
Caminhou depois de olhar cada
canto da área. Ao se aproximar do carro o tablet estava intacto e ele nem
perguntou como apenas agradeceu. Resolveu
voltar alguns passos e então olhou para lá e para cá e mais adiante. Percebeu alguém
o observando. De canto de olho viu um homem moreno, perspicaz e sorridente se
aproximar lentamente com uma sacola de papel com alguma marca. Sorriu de volta
dando boa tarde, mas antes o homem o abordou co ma seguinte pergunta: Está procurando algo? Se sorriso aumentou
e já imaginava o inimaginável para a maioria das pessoas. Sim, estou,
respondeu. O quê? Olhando nos olhos
respondeu novamente: sinceramente é uma pasta do tamanho deste tablet cheia de
dinheiro. O mais improvável para tanta gente aconteceu.
Devagar foi tirando a pasta dele
e a entregou feliz e sorrindo. Aqui está
um garoto de bicicleta me entregou e disse que deveria ser de um homem com
o seu carro. E foi embora sem dizer mais nada.