sábado, junho 01, 2013

(Miniconto) Borboletas mortas


(Miniconto) Borboletas mortas

por Rafael Belo
O corpo inteiro coçava e ele se sentia preso, ali naquele nó na voz. Aquele nó na garganta. Aquela ânsia aprisionada e tudo coçava. Sentia que vomitaria palavras e imagens guardadas na mente. Sua pele toda pinicava como se ao invés do ar o cercando e o afogando fosse um gramado com formigas nervosas e “picantes”. Suas energia e paciência esgotaram-se naquele nó. Lá.

Sua mente não estava lá. Ele só percebeu ao estacionar o carro. Era como se tivesse passado por todos os fusos do planeta e não só se adaptasse a cada um, mas os trouxesse dentro de si. Pegou sua maleta. Ligou o alarme, 200 metros depois ouviu o disparo. Não era um disparo qualquer. Era o primeiro disparo. Não daquele dia, mas desde que o havia instalado. Ressoou insistente. Voltou. Desligou. Olhou. Nada viu. No segundo já estava a mais de 700 metros. Deu a volta toda no carro. Abriu a porta. Tirou o som e o guardou no porta-luvas. Fechou a porta. Ligou o alarme. Esperou. Foi.

Durante o escândalo do terceiro disparo já estava do outro lado do estacionamento. Voltou. Examinou tudo. Portas. Bagageiro. Fiação... Satisfeito, fechou, ligou mais uma vez. Esperou mais. Foi-se. No meio do caminho retornou. Não houve nem pressentimento de disparo. Abriu a porta do carro novamente, levantou o banco do motorista e pegou seu principal instrumento de trabalho. Não se surpreendeu quando chegou ao andar de seu serviço e o viu destruído. Nada disse. Ficou em silêncio. ERA dia de silêncio.

De volta para casa, pensava no caminho sobre o tempo. Ainda ventava como há dias. Estava assim: muito forte. Não era só vento de poeira e chacoalhar das árvores... – Há mais. Eu sinto. É um aviso...!

 Algo sem proporções está por aí. Que vento faz oscilar as luzes, desertifica as ruas, chacoalha as árvores e esvazia as mentes. Distração... Uma chuva de vento, sem chuva, uma chuva de sons, sem chuva... Este vento está vivo... Estes sinais... Eu sinto algo inexplicável e é tão forte que eu sei.


As ruas estavam com um som estranho, levemente crocante. Misturado a um vazio apocalíptico. Olhando com atenção percebeu que não era asfalto por onde o carro trafegava... Eram incontáveis borboletas mortas. Nunca esteve tão distraído e com olhar fixado. Mesmo assim fez novo retorno – mas desta vez com o carro e os únicos avisos brilhavam dentro dos seus olhos. Acelerou ao máximo. Pesou o pé até doer.

Precisava encontrar sua esposa. O mundo não estava mudando. Estava mudado. Não era mais possível contar até dez e respirar. Só ele sabia... E as borboletas mortas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo! Parabéns! Que Deus o abençõe sempre! mamys