sexta-feira, janeiro 18, 2019

Não espalhe (miniconto)






por Rafael Belo

Só havia nada. Até nós, cegos, enxergarmos. A verdade é que não éramos cegos. Só estávamos no ponto mais escuro deste planeta desabitado. Dizem ser a Terra ou teria sido ou será. Sabe, o tempo não é mais o mesmo. Tudo foi dividido por aquela substância divina profanada. Pensávamos ter sido a morte de todos. Nós, mortos, acreditávamos sermos realmente mortes e tudo isso uma punição severa pela nossa incapacidade adotada de evitar fazer algo pelo outro.

Era só escuridão. Uma ausência insana de luz. Não tinha nada nem com purgatório ou inferno. Era só preciso acender a luz. Mas o inferno nunca foi o outro, sempre fomos nós… Tínhamos que desenvolver o sentido profético, o sentido premonitório, o sentido da antecipação… Não podíamos sequer tatear para saber as distâncias ou para imaginar as aparências. Elas sempre enganaram, mas agora é totalmente diferente. Não existe status ou formas de exposição…

É escolha e omissão. Há várias formas de estar morto sem deixar de existir em um corpo de pele, carne, ossos, órgãos costurados friamente com possibilidades. Pensamentos e sentimentos escapam exatamente agora... Se você parar é capaz de escutar, de sentir, mas ninguém quer parar. É ou um atropelo louco ou uma leseira, uma lentidão paranóica… Sabe, não podemos nem abraçar ou beijar. Mesmo não havendo público ou privado as coisas não são no 8 ou 80!

Elas enguiçam. Elas quebram! São substituídas!  A exceção virou regra sem sequer saber. O motivo desapegou e foi embora. Eu, agora, quando vejo um facho de luz, um raio escapando de algum lugar onde me prendo, eu me escondo. Eu prendo a respiração. Não mexo um músculo… Se eu admitir enxergar mesmo no escuro aí sim serei dividida. Meu ego, meu orgulho, meu barulho, grita tão alto que não admito ter errado e sigo errando. Venho sozinha aqui com medo de ficar realmente cega com tanta luz, mas ainda não tive coragem de dividir com ninguém. Nosso ditado diz que se só uma pessoa viu, não é real. Não espalhe.

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