quinta-feira, setembro 12, 2013

Água da pia

Água da pia


Mão na garganta tentando suavizar
outra mão invisível apertando,

as notícias vem e vão faltando,
com o coração, lutando contra o mundo

no fundo é só a cabeça, esquentando com o que não se pode esfriar

não entendemos, esqueça, tudo pode mudar,
lembra daqueles filmes? Só se entretenha, é coisa de cinema, ator e diretor,

ação, cena a cena, dor, ficção, poucos estão assistindo, o controle ninguém inventou,

aliás, há a invenção, mas não passa disso, uma reação, a vida seguida de vidas,

um minuto, cem anos, amanhã já nasceu de novo e a água da pia do banheiro vem com o mesmo sabor: continuar.


ÀS 08h25, Rafael Belo, quarta-feira, 11 de setembro de 2013).

terça-feira, setembro 10, 2013

Descabelando o controle aos poucos



Descabelando o controle aos poucos
por Rafael Belo

Olhando pela janela, a cerca de seis metros do chão. Todos parecem ter o mesmo tamanho e seus passos ímpares. Poucos pares passam pela minha paisagem diária e de fato não me lembro de vê-los, mas existem. São casais, amigos, amantes, familiares e estes nos preocupam e se preocupam por nós (ou assim deveriam). Então, olhando por outras janelas umas foscas outras luminosas, vemos/lemos “genoínas” aposentadorias por invalidez, facilidades, desvios, enganos, desenganos enquanto o que mais nos afeta são notícias e a falta delas. Esta é nossa angústia, não termos ação diante de um fato inusitado com quem queremos bem.

Está perto, ao nosso alcance ou de uma ligação/mensagem/redes digitais, mas não temos o “controle”, o conhecimento ou a habilidade para resolver aquela situação. Aí, então, a angústia se divide e concentra. São guerras, inflação, dívidas, mortes, acidentes, feridas, atrasos, sinais vermelhos, congestionamento, manipulações... E tantas distorções invertidas, do avesso, porém, o mais apertado no nosso coração é a saúde de quem amamos. Uma falha de comunicação e já basta para a apreensão apertar nossas gargantas.

São tantas futilidades e situações de indignação ao nosso redor que nos tiram da nossa área de conforto que agimos de tanto incômodo. Sem contar com as constantes já marcadas manias de perseguição existentes entre nós, tantas vítimas, tão vítima... Quantos absurdos... Que até o granizo fechando o tempo em um domingo fervente pode ser pedras de gelo atiradas para acertar cabeça premiada. Mas, basta não ser atendido, não ter qualquer retorno neste nosso mundo “conectado” para todas as possibilidades passarem pela mente acelerada... O coração se aperta e espanca a milhão de batimentos por segundo. O estômago vira e revira em nós impossíveis e no final não está em nossas mãos. Está em nossa cabeça.

Pode ser egoísmo e é, mas todo o resto fica para depois se algo acontece ou imaginamos que tenha acontecido, com os nossos. Isso porque precisamos estar no mínimo estáveis conosco para ter uma reação ao restante do mundo. Porém, no fundo (?) ainda nos achamos deuses capazes de controlar ações, reações, emoções, sentimentos como se a vida fosse um filme e nós tivéssemos o controle universal. Tudo isso é resultado do tamanho da importância que nos damos e a falta de espaço para a humildade. Para tanto cabe os Paralamas do Sucesso em “Ska”: A vida não é um filme, você não entendeu/De todos os seus sonhos não restou nenhum/E só você não viu, não era filme algum. Só nos controlamos e não tudo nem totalmente, o resto já vira passado aos poucos.

sábado, setembro 07, 2013

A arte da fome (miniconto)



A arte da fome (miniconto)
por Rafael Belo

Ela estava com um apetite voraz e mastigava mal. Engolia bem, mas quase engasgando. Ao fim passeava a língua pela boca, procurava com a ponta os vãos entre os dentes. Nesta acrobática imagem bucal queria tirar as frustrações presas na boca. Depois voltava a comer como se nunca mais pudesse fazê-lo, mas não estava saramandando, portanto nada de explodir feito a Dona Redonda. Nem tinha sinais de gordura. Era só uma gula psicológica com sintomas direto no estômago. Enquanto ruminava a boca vazia e mordia as bochechas pelo lado de dentro, pensava.

Era a própria angústia solitária. Já há alguns dias estava nesta encrenca. Sentia uma fome incontrolável. Tamanha era que podia jurar que até os outros mais distantes podiam ouvir seu estômago. Insaciável, mastigava até os músculos das mandíbulas travarem e mal conseguir abrir a boca, portanto não falava mais. Para alguns era uma bênção, pois em seus dias “normais” este ser faminto matraqueava como uma rádio em frequência AM durante final de jogo de futebol, lotado, com diversas invasões de indigentes pelados, com previsão de prorrogação e pênaltis.

De repente ouviu sua mente imitar Deus. Nem só de pão viverá o Homem, minha filha. Foi, então, comer pão para garantir e tudo ao alcance. Até não restar mais nada. Aquele, agora, conhecido apetite voraz realmente parecia ser interminável. Novamente seu estômago roncou, mas ela se encolheu porque não era só um ronco. Era toda uma palestra ministrada pelo “senhor saco sem fundo”. Encolhida. Envergonhada. Rezava para ninguém o ouvisse. Ninguém mesmo. Nem tão, tão perto. Nem tão, tão, tão, tão distante. Além de correr o risco de ser confundido com sons de outros locais mais ao sul, parecia a localizar geograficamente com imagens ao vivo em um satélite Obamaespião.

Quando já se entregava ao autocanibalismo, que jurava estar acontecendo neste instante nos recôncavos do seu interior. Ouviu a imitação divina de sua mente de novo. Minha filha, nem só de pão viverá o Homem, nem a mulher, mas... “Caraca meu”, ela pensou interrompendo sua mente, estou usando licença poética”... Como nunca foi de imaginação cada coisa era aquela cada coisa e nada mais e nada menos e nada, nada.

Resolveu fazer uma coisa inédita. Não iria mudar o mundo, mas quem sabe sua... Foi até sua pilha de livros e livros e livros e livros nunca sequer tocados, soprou a poeira, entrou em uma crise de tosse e assim que parou de tossir começou a ler Um artista da fome, Franz Kafka. Imediatamente tudo silenciou dentro dela. Ela se assustou e reclamou com sua mente. “Pôxa, da próxima vez seja mais direta com sua imitação...” Voltou ao silêncio e a um novo e surpreendente apetite voraz onde parecia nascer sua imaginação.

quinta-feira, setembro 05, 2013

Canibais da questão


Canibais da questão


Conversando com a mão, inspirava em reflexão
quão distorcido pode ser o reflexo?
 e encarava a questão perfil a perfil

shakespeariano pesava o preço, pagava o peso
e pensava na quantia de seres humanos complexos

perplexo, parava no meio da própria fala e gritava

suas frustrações flutuavam no vazio
e ele comia este nada, como se nada mais fosse comida

cheia a garganta, mas ainda vazia a barriga
consumia o que o devorava,

e nesta antropofagia, até o ar mastigava
quanto mais se engoliam, mais tudo se esvaziava.

(Rafael Belo, às 09h, 04 de setembro de 2013)

terça-feira, setembro 03, 2013

O preço



O preço
por Rafael Belo

Caetano já cantava que Narciso acha feio o que não é espelho (Sampa) e o problema é a quantidade de medidas deste peso psicológico na população.  Uma questão de peso e seus padrões midiáticos que criaram deste a anorexia (um transtorno alimentar que deixa o indivíduo com a sensação de sempre estar acima do peso e, por isso, come pouco ou quase nada), bulemia (transtorno alimentar onde se ingere muito alimento e depois com medo de engordar, os expele) e demais ias até a vigorexia (sensação de estar sempre fraco e fazer cada vez mais intensamente exercícios físicos excedendo até a capacidade de recuperação do corpo). Tanto bullying social e autobullying criam uma obsessão narcisista onde o espelho é o principal ator da vida.

Mas, as pesquisas apontam que mais da metade da população está acima do peso (51%) e 17% obesos. Os problemas de peso (trocadilho infame) são mais graves aqui, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, onde 56% da população está com sobrepeso. Há quem se sinta bem por um longo tempo e nem se preocupa com a situação, até ser alvo de bullying, ser alertado por amigos, familiares, médicos ou acabar hospitalizado. É claro que é possível ser saudável e acima do peso, mas com a atual ocupação do nosso tempo a probabilidade é a mesma do acidente que aconteceu no início da manhã desta segunda-feira (02/09) no rodoanel em Cotia, na Grande São Paulo. Um caminhão com um container de açúcar tombou em cima de um carro, e o incrível (ou seria milagre?) foi o veículo ter ficado encaixado entre o cavalo mecânico (cabine) e a carreta(carga) sem nenhum ferido.

Há outras formas de sobreviver sem contar com milagres, mas com a situação da Saúde brasileira é bem melhor criar força de vontade e partir para a famosa reeducação alimentar e atividade física. Posso estar bem enganado, mas ao mesmo tempo em que há toda uma exploração da “medida certa”, há um vasto mercado querendo lucrar e os riscos do sobrepeso e da obesidade vão sendo camuflados, e então viva a redução de estômago, as propagandas de fast food, os remedinhos milagrosos... Hip Hip hurra...! 

Por outro lado, poderíamos pensar que não é sedentarismo, preguiça, gula, culpa, redirecionamento emocional, genética, glândulas, desatenção, ciúmes, cobiça, inveja e seja lá o que for o motivo do nosso peso, muito menos estético. Pelo menos não isso.  É pela própria saúde. Nossa saúde equivale a anos de vida a mais e bem vividos. É uma escolha. Não podemos negar. Mas, escolhas também são negações. Você aceita uma coisa e consequentemente nega outra. Estamos cada vez mais acomodados com as facilidades. São carros, dois, três... Empregos. Família, amigos, trabalho, trabalho, trabalho e uma ansiedade constante pesando em todo o corpo, principalmente nas costas e na mente. Nossa própria opressão contra as cobranças ao redor. Então, Caetano segue em Sampa: E foste um difícil começo/ Afasta o que não conheço. E nós somos os únicos a pagar o preço, às vezes qualquer preço.

sábado, agosto 31, 2013

Não é de uma hora para outra (miniconto)

Não é de uma hora para outra (miniconto)
por Rafael Belo

Estava olhando para o céu limpo, cheio de estrelas que pareciam brilhar mais de onde estava. Longe da cidade, as únicas luzes vinham das estrelas. Nem a lua aparecia. Mas, na verdade o universo estranhamente olhava de volta. Como um chamado, todo o espaço o fazia se sentir observado. Algo dizia a ele que era vigiado por aquela imensidão sem fim. Nada de perseguição, eram palavras. Ele as via se formar na mente, embaralhadas. Eram rastros de significados.

Ele sempre se sentiu assim, porém o céu o chamava com mais força. Demorou para compreender que este brilho que o cegava como um incêndio intenso e abrasador não vinha da sua mente rápida e de atropelos... Vinha... Vinha de outro lugar. Nunca se preocupou em olhar para cima. Conhecia prédios e edifícios pela metade, meias árvores - se é que existe algo assim - e assim por diante. Não pensem que isso o deixava infeliz ou no prejuízo, pelo contrário. Ter resposta para tudo, ter cada coisa limitada pelo próprio conhecimento, ou falta de, o fazia feliz.

Não é de uma hora para outra. Aliás, nada acontece de repente. Mas, para não cair na besteira de assim pensar e bradar aos quatro cantos é preciso de um empurrãozinho. Neste caso um belo tropeção e aquele estabaco no chão. Estabacado e desiludido. Ele estava lá naquela visão panorâmica, escura embaixo e em cima, quando deu por si, havia dado uma volta no ar e caído com tudo sobre as costas. Sem ar e dolorido permaneceu na posição por quase uma hora completa. Deixou seus olhos passearam por onde podiam e, finalmente, admitiu aquela confirmação de vigília.

No entanto, era mais. Era um encontro. Seu universo definitivamente parava de chamar e se encontrava naquele olhar inocente e estrelado. Além de qualquer saber ele sentia. Sua alma se acendia com uma chama interminável e assim como o universo se via nos seus olhos ele se via no reflexo do universo. Eram continuação um do outro. Não queria se levantar, mãos fez. Se afastou da cidade e do alto do morro cercando a cidade, não olhou para baixo se deitou na grama molhada e se olhou por brilhos. Não estavam só chamando, todos os rastros de estrelas que já não estavam mais vinham de tudo, mas principalmente de sua própria alma.