sábado, setembro 05, 2020

Mundo Janela (miniconto)

 



por Rafael Belo

Quando o assunto é treta não há outra urgência. Não sei qual é a curiosidade humana pela desestrutura alheia, pelo mau olhado do outro, mas tudo para se souber da chamada treta. Olhos se esticam, orelhas se levantam, as mãos coçam, a boca saliva, a pele se arrepia e até o olfato se aguça… Estou olhando as janelas com insufilm. Diferente da apresentação através delas, quase não há vida humana lá fora. As pessoas foram obrigadas a ficarem em casa. Nós recebemos há 1 ano uma notificação de monitoramento onde somos amparados com rede ampla e de real alcance mundial antiqueda. Nunca caiu nosso sistema… Porém, não caímos na real a tempo. Recuamos a primeira dificuldade.

Eu observei as plantas crescerem junto ao silêncio. Não há mais ninguém lá fora. A mesma árvore que se apresenta a mim em três versões por três janelas lado a lado é aquela que cobre tudo aquilo que foi minha rua de referência. Ela está seca em uma, verde em outra e seca novamente na terceira. Fiquei hipnotizada. Não ventava. Talvez um assovio do silêncio aqui, outro ali… A Natureza me chama. Ela retomou seu espaço lentamente. Não há quaisquer vestígios nem nada documentado sobre o ocorrido no último ano. Fomos absorvidos…

Absorvidos pelo tempo, pelos mundos nas telas, pelo silêncio, por uma paz estranha nunca sentida no último século. Sinto ainda estar hipnotizado. Será apenas um ano? Perdi um ano ou mais? As pessoas foram mortas? Só eu fiquei sozinha em casa e obedeci? Não! Todos os meus conhecidos, amigos e família pelo mundo falavam comigo por vídeos e mensagens… Mas, há quanto tempo nada vejo, nada falo… Nada faço? Há algo na minha memória inacessível por enquanto. A janela me chama. Acende uma chama em mim me desestabilizando, me deixando tonto… Fala comigo! Isso! Ela fala comigo…!


Agora me pergunto o motivo de eu não me aproximar da janela. Havia algo nas instruções sobre. Quais eram as orientações? Não importam mais! Estou colada a janela. Há algo reconfortante me levando a abrí-las. Fora deve circular dentro agora e dentro precisa circular fora já. Estou saindo. Preciso ir até onde os ids das pessoas apontam a localidade delas. Vou me libertar. Engraçado como nossa Luz não consegue ser guardada na escuridão ainda mais quando encaixotada desta forma. Me misturei novamente no destaque a Luz. O assobio do silêncio agora é a melodia de uma Voz.