sexta-feira, setembro 28, 2012

Sombras do entalhe


O detalhe é o entalhe curvado ao vento
no tempo dobrado ao meio ao som dos cales
marcados no devaneio dos males ensaiados
a contento das bases da erosão

anseio da sensação do galanteio errado
pela confusão da mensagem mirada na miragem
da expressão nula, do corpo quieto

passado em branco pelas sombras tocando a luz
pelo olhar atento escondido no discreto
revelado na face no impasse dos detalhes.

(Às 23h17, 28 de setembro de 2012, quinta-feira, Rafael Belo)

quarta-feira, setembro 26, 2012

Miniconto - Erosão dos detalhes


Sua face dizia tanto, seus lábios quanto se mexiam, mas não condiziam com as expressões. Suas mãos pareciam amarradas... Todo o contexto entre os silêncios e a fala parecia perdido entre as palavras costuradas entre uma ferida e outra. Ela estava lá trabalhando a interpretação espiã infiltrada entre o cérebro e a língua, enquanto chovia em uma parte e o sol vinha desértico de outra. Enquanto o mundo vinha desatento trombando em suas falas e suas caras e bocas.

Detalhe é passarem desapercebidos os detalhes. Toda a conversa era incompleta, toda visão deturpada. Toda a riqueza da nossa língua viva e da conversa do corpo eram sumariamente ignorados. Havia um limite bem diante dos olhos oculto e toda informação completa parecia telefone sem fio. Era a aridez de um deserto de atenção. Era como entender apenas 1/3 de cada assunto. Era como enxergar 1/3 do dia pensando ser 3/3. Um rachar da terra na nossa erosão.

Sem água, sem cuidados e sem atenção a erosão se espalhava e toda face rachava e cada máscara despencava. Ela queria entender porque não era entendida, ou melhor, porque era mal entendida e depois tinha de utilizar exemplos. Desenhava e criava uma legenda... E mesmo assim, pouco depois a desatenção voltava. Os detalhes ficavam de lado, a vida ficava de lado. Era essa sua tentativa desde as primeiras linhas: explicar os detalhes.

Mas, a escassez de atenção aos detalhes acabava com vidas todos os dias.  Tornava toda a profundidade um manequim do passado sem vestes para vender sem vitrine para enfeitar. Ela, a entrelinha, ficava solta nas páginas, desentendida nas expressões, flutuando no ar a espera de ser aspirada, no intuito de ser inspiração e a reinventarem como detalhe. Ela gostava de ser um detalhe a mudar tudo, por não ser dita e mesmo assim tanto falar. Porém, ela iria tentar ser ponto final três vezes para garantir ser entendida, mas o grande detalhe é parecer tão reticente...

segunda-feira, setembro 24, 2012

Detalhes na face


por Rafael Belo
Prestar atenção deixou de ser de utilidade pública nestes nossos idos anos. Olhar nos olhos e enxergar os detalhes na face é raridade digna de extinção. Ouvir e distinguir o significado do dito pelo não dito já não é mais captado pelo tom. O corpo nunca falou tão bem quanto agora, mas a surdez de todos os sentidos dessignifica até o silêncio. Não há mais contextos. A ignorância chegou ao seu mais bruto estado novamente e as conversas são ensaios de monólogos ansiosos por terem razão e serem aceitos.

Calar e falar... Tanto faz. A beleza dos significados parece ter se tornado tão insignificante a ponto da eterna dúvida sempre estar no apertar e morder dos lábios, no espremer dos olhos e no erguer das sobrancelhas. Mas, isso não diz nada mais. Os detalhes se profissionalizaram e abandonaram a riqueza popular. Tudo se tornou casca de ovos e desconhecimento. Nada literalmente, claro... Por isso, ontem quando observei cada rosto envelhecido sentado, prestando atenção, tive de sentar e digitar para dividir isso. Ainda há o reconhecimento de todos os tipos de sons e silêncios...

Cada idoso sentado oferecia atenção de uma maneira própria ou forçada pelo avanço da idade. Alguns nem olhavam o orador da noite e estavam cabisbaixos. Outros não tiravam os olhos dele. Uns ainda concordavam, sorriam, se ansiavam, viravam o rosto, tentavam aproximar o ouvido dos lábios de quem falava. Não era dispersos de maneira alguma. A vida lhes deu o diploma da experiência sofrida. As faces marcadas demonstravam suas lutas. Cada sulco, cada ruga, cada olheira trazia uma história pronta a ser contada.

Quando finalmente chegou o momento de interagirem com o orador, mostraram a simplicidade do tempo e o quão pouco é suficiente. Queriam apenas atenção, com isso respeito. Passando a marca dos sessenta são os mesmos. Os mesmos destes seres conhecidos como eu e você. Mesmo com toda essa nossa carência e armaduras enferrujadas, porém, reluzentes. Porque se prestássemos atenção aos nossos próprios sinais e ao nosso redor, poderíamos ser melhores ou pelo menos tentaríamos ser. Assim, me diz se a vida não seria outra.


sexta-feira, setembro 21, 2012

Um minuto atrás


Aquelas palavras embriagaram a alma
e o corpo esticou-se em palma, para o coração bater
sair de suas sucessivas depressivas derrotas, para parar de doer

fazer o verde desviar da rota, dos galhos secos nascer

mas a palavra virou vapor e de tão embriagada choveu

chuva chovida de choverar, enchendo esta garrafa vazia
de um ar incerto, pressionando o embriagado líquido, a estar perto
da água da nostalgia de um minuto atrás

a embriaguez do correto, a bebedeira capaz
de deixar mais sedentos  quem nem sente sede mais.

(Às 22h54, 20 de setembro de 2012, quinta-feira, Rafael Belo)

quarta-feira, setembro 19, 2012

Miniconto - As cinzas da fumaça


Por Rafael Belo
Aquela situação já não enxergava o limite ultrapassado há tempos. O nervosismo e a brutalidade das palavras tomaram uma forma ainda não encarnada antes em ninguém. Foi se transformando aos poucos naquela incontenção e transbordou dela feito obra pública mal estruturada com toda sua qualidade desviada para outros fins... Enfim, ela já não era ela. Ela já era... Seus sentimentos sem sintonia sintonizavam em outras línguas e não era nenhuma inspiração divina o motivo. Um porvir alcoólico desvirginaria aquele sangue não batizado.

Mas, batizar o sangue e marinar os órgãos passariam por um conservar interno só possível depois de juntar os disformes cacos da alma estilhaçada. Podia-se dizer então que era impossível. O álcool a aguardar ela era de uma concentração quase proibida. Até aquele ponto, ela nunca aceitou ingerir nada alcoólico. Sempre recusou - invariavelmente irritada - a oferta dos amigos. Eles a acusavam de não saber viver, especulavam alguma doença e insistiam irritantemente para se lubrificar do entorpe.

E sempre foi assim... Recentemente ela havia perdido todas as suas conquistas, belezas e - como não era Jó – negou sua situação ao máximo até não ter mais suas carências supridas por aqueles homens efêmeros e os massageadores de egos genitários colhidos em locais escolhidos a dedo. Ficou insustentável e julgou Deus por seus problemas. Logo invadia o primeiro bar furreco fechado cometendo dois atos em um só, nunca antes sequer pensados por ela: invadiu e roubou. Quando perdeu as contas não havia mais bebida alcoólica alguma. Seus pedaços estavam tão estilhaçados a ponto de não haver surpresa não ter morrido de coma alcoólico. Era o começo do fim da madrugada.

Nas primeiras horas solares, ela estava em pé, esbravejando. Não teve sucesso em promover seu atropelo. Não era porque os motoristas não queriam livra-se dela, mas porque queriam preservar seus veículos em bom estado. Como ficariam seus planos se houvesse alguma alteração na rota destinada? Indigente e em um mar etílico próprio, exalou mais forte aquele virgem odor para seu corpo, prostrou-se no meio da rua e esperou para sempre um atropelamento digno de sua situação... Chorava cinza e suava fumaça.

segunda-feira, setembro 17, 2012

No meio da rua


Por Rafael Belo
No domingo o almoço costuma ser mais tarde então, antes da 13h, eu ainda faminto, seguia para casa quando vejo um senhor premeditado pelo cheiro alcoólico no ar no meio da Avenida Albert Sabin. O primeiro dia da semana parecia o esquecimento. Os carros desviavam e ele esbravejava como se não fosse um obstáculo, mas a própria rua. A frustração podia ser sentida. Não dava para ter certeza se o efeito do álcool era permanente de quem sobrevive às ruas ou de quem costuma ceder ao vício ou ainda a vontade do entorpecimento. Talvez a certeza fosse a dúvida de como ele terminou por ali.

Podia ser um parente meu ou seu de milésimo ou primeiro grau, um amigo, um conhecido, uma vítima... Mas nossa demagogia nos mantém distante. Ficamos desviando do estender da mão verdadeiro e do abrir do ouvido atento. Quem consome bebida alcoólica ou se reconhece ou deseja nunca o fazer, mas na superfície prefere mesmo ignorar e esquecer antes da próxima esquina. Bem ali no meio da rua podemos até reprimir a situação lastimável, porém se nos colocarmos no lugar, para onde voltaremos?

Quem sabe chegaremos onde está o bom senso. Lá podemos nos perder nesta perdição porque nem ao menos sabemos se o bêbado no meio da rua procura bom senso ou se dirigimos em busca deste. Não reconhecer pode ser o mais aceitável, mesmo se este tal de... For o corpo estranho dentro dos nossos olhos. Quanta dor pode ser entorpecida e por quanto tempo? Esta nossa vontade de ignorar, esquecer, entorpecer... Não pode ser antagônica ao paradoxo do bêbado no meio da rua.

Então, somos este cheiro etílico pairando no ar seco, envoltos a um mormaço angustiante sob o sol incandescente. Quase metáforas irônicas sem sentidos funcionais capazes de entrar em combustão por um pouco de nada. Diante de toda uma semana a percorrer dentro de uma crise identitária, ficamos a mercê de decidir o quão bêbados equilibristas estamos dispostos a ser, bem ali no meio da rua tentando não cair da faixa contínua totalmente em chamas.

sexta-feira, setembro 14, 2012

atados

Plena pequenez ignorada
atada a noite inacabada
pelo dormente fantasma se arrastando pelo vento

serpente silenciosa na escada sibilando o momento
na estrada perdida vestindo nossos descalços pés

até o receber parar de chegar no tempo parado
o tilintar das correntes continuam invocados
pela retribuição do acostamento assombrado

há a chuva do não vem doando a fumaça
pelo impermeável solo - aquém – lado a lado do ato
no tato do desfazer, desato, o ser pelo comando: faça fato!

(às 23h30, quinta-feira, 13 de setembro de 2012, Rafael Belo)

quarta-feira, setembro 12, 2012

Miniconto – Pequenitude


por Rafael Belo
Ele estava preso em suas orgias trabalhistas de horas extras e coberturas. Passava 24 horas recebendo novos trabalhos, novas encomendas e virava as noites se arrastando entre um serviço e outro assombrando seus sonhos com os barulhos de suas correntes, afastando a vida com os sustos de suas ausências. Era tudo para uma vida – esta da qual não participava – ser melhor. Era um receber sem comer direito ou se alimentar demais. Era um receber sem destino, pois, o futuro vinha, ia e no fim não chegava. Ele se consumia feito um canibal capitalista lendo era uma vez...

Leitura esta a beirar a indecência capital no escravizar a um dinheiro a o desejar de tal forma e com tamanha lascívia a deixar o ultraje rigoroso profundamente envergonhado. A imoralidade não custava, recebia. Neste constante receber a prisão uivava por mais, mas era destemperada e ele sabia não ter sentido... A anestesia não permitia quaisquer percepção, sensação e entendimento de toda aquela atuação vívida se desfazendo feita a verdadeira miragem diante dos espelhos. Enfeites do encontrar desencontrado de um despedaçar de um ser não juntado.

E... Aqueles olhos se esvaziavam ao encontrarem seus escuros e obscuros reflexos apáticos em um encarar oco ecoando um vácuo entre um receber e outro. Um despropósito inconsequente de um planejamento arbitrário para uma vida futura, para a ausência presente, para uma negação confusa significando o querer sempre receber. Desconhecendo o distante doar enterrado em algum coração vagando em um deserto de mágoas irreconhecíveis sob um teto de ovos apodrecidos na delicadeza de soltar o verbo correto, desenhar o sorriso da alma, apertar o abraço da sinceridade acolhedora... No haver das entranhas...

Havia um entranhamento visceral tão estranho a ponto dele não existir... Pelo menos ele era invisível fora de suas funções assinadas na carteira de trabalho. Por dentro sua pequenitude sofria o efeito da gravidade em um abismo sem fundo, em uma ilusão encontrada matando a sede na lagoa do oásis. Sobre estas águas alusivas caminhava sua sombra. Um fantasma de si procurando voltar a si...  Ao longe vinha um acolhimento. Eram vários encontros possíveis passíveis do, então, estranhamento. Mas as reações nunca eram medidas ou especuladas e uma arma carregada surgiu diante do armado abraço. Foi um som seco, uma queda sem quique e até ao amanhã as correntes tilintam.

segunda-feira, setembro 10, 2012

Doar ou receber


por Rafael Belo
Neste dia-a-dia capitalista receber é o maior interesse por trás das ações. Receber pelo trabalho, pela atenção, pelo amor, pelo tempo, pelas palavras... Por qualquer movimento dado, por qualquer raciocínio vazio ou elaborado... Ter dinheiro para consumir nos consome. Nos torna ávidos por mais e nos escraviza ao tempo e nos agrilhoa a tanto trabalho a ponto desta corrente nos arrastar feito fantasmas... Assim assombramos a vida doada a nós. Caminhamos sob o sol mais quente sobre a estrada perdida e um céu incerto.

Simultaneamente se simula a mesma ação de suor e lágrimas misturados a um labor muitas vezes sem sabor e nossa vida é um oásis no fim da visão ao nosso alcance, mas sem nosso toque. Como se vivêssemos para ter aquela paisagem, porém sem no fim senti-la porque o fim não existe... É um novo começo, é uma substituição por um compra mais cara. Este sem fim exaustivo nos exaure. Consumidos somos consumo. Consumados somos este desejo nauseante do querer ser pago por tudo para nos recompensarmos...

Por isso, doar hoje é sinônimo de receber algo em troca... Financeiramente, fisicamente... Doar acabou sendo receber. Não é mais raridade. Uma palavra em desuso, um sentimento... É! Um sentimento de não ser o suficiente viver no nosso mundinho de aparências e acúmulos e sem tempo... De meias palavras, deste vazio existencial acachapante... Exatamente deste ser esmagado pelo seu egoísmo solitário achando inconcebível fazer “seja lá...” sem retribuição... É triste nos contentarmos com nossa pequenez diante da imensidão da nossa alma.

Não conseguimos optar pela escolha de refletir sobre nós mesmos e nosso arredor e mais... Como podemos servir para começar uma mudança. É preciso uma intervenção, às vezes, trágica para aprendermos a doar-nos. Doar-nos para alguma causa. Tal ato não causa resultado imediato... Aliás, causa sim. Proporciona uma sensação de participação de um movimento maior, de um elo contínuo de ondas crescentes encharcando esta sequidão em nós, neste uso insubordinado do corpo “em decadência” a alma. E nossa alma manchada necessita de algo de nós: o saber diferenciar doar e receber, para podermos embarcar nos nossos pés descalços e sentir porque viemos em um ônibus quebrado e paramos de vez em uma estrada perdida.

sexta-feira, setembro 07, 2012

Miniconto - Personalidade passageira


por Rafael Belo
Naquela janela ela vivia debruçada. Por esta janela ela assistia o tempo. Pela janela ela era mera paisagem... Pendurada em uma infância sem fim, jogada em uma adolescência sem chegada. A maturidade era uma picuinha à toa sem resultado sem início... De um meio tão parado a ponto de nada parecer. Com os fundamentos em falta e as formas sobrando, tudo parecia ser forma por fora e por dentro. Por isso, então, o raciocínio travava, empacava em um vazio às vezes preenchido por uma personalidade passageira.

Ela tinha um congelamento mental. Portanto, a inação e a falta de encorajamento eram reações normais. Mas, admitir o envelhecimento era inadmissível, era um palavrão imensurável. Era algo tão distante preferível de ficar olhando pela janela... E pela janela a personalidade passava os riscos se esvaiam e nada acontecia, além da angústia, o sentimento de abandono e uma forma abismal de fim a abraçava com força por trás. Um peso sem medidas por fora e outro com toda a gravidade por dentro.

Era um remoer feito rato faminto tentando sair, forçando espaço para escapar de seu fim tão derradeiro, tão próximo a sentir o hálito duvidoso da morte esmagando com mãos afiadas um coração de retalhos. Com aquela bomba de sangue se espalhando pelo corpo com tanta ausência, mais tanta solidão e carência acumulados por desconhecimento de afeto, ao vento se tornar uma paixão avassaladora pelo toque cauteloso e envolvente na pele esquecida. Este era o motivo de ficar ali na janela. Ela esperava um sopro ao menos...

Esta brisa não vinha. Estava tudo seco. Ela secava cada vez mais também. Pela janela debruçada... Sentia um temor de perder até sua personalidade passageira... O tato ainda lhe restara, todos os outros sentidos dormiam. O sono profundo a velava. Nada escutava nada cheirava nada falava nada tinha gosto, mas ela acredita ver – nada via... Não podia ver a madrugada abrindo os olhos da alvorada para ela dissipando cada sombra carregada nas costas, cada sombra grávida no interior... Mas pelo ressoar mudo e a pele arrepiada, ela sonhava outro sonho, além das digitais na viva janela.

quarta-feira, setembro 05, 2012

Pela Janela Viva

Pela janela há dois lados parados
lado a lado com o medo interno disfarçado
de um destemido exterior

pela janela há os olhos olhando serem olhados... Pela janela
tudo passando sem se mexer, sem tocar a juventude da gravidade
tardia idade... Gravidade de envelhecer sem crescer, estática tela

de um tempo branco em branco com as cores concentradas no descolor

é madrugada e parece o amanhecer não vir
mas, na infância longa, se alonga uma tímida luz
pela janela viva aonde um novo dia cintila o pudor do porvir.


(às 18h15, 4 de setembro de 2012, terça-feira, Rafael Belo)

segunda-feira, setembro 03, 2012

Adolescência chega aos 30 sem tocar na juventude


por Rafael Belo
Sair do conforto da situação na qual estamos nem sempre é dar um passo à frente, mas é dar um passo. Caminhar parece ser o terrível medo de nós humanos. Partir do ninho é o segundo passo, o primeiro é conquistar a liberdade materna e paterna. Mas, diante de tanta proteção ou a extrema ausência dela, há o medo das mudanças e sempre é mais cômodo tatear por onde podemos andar cegos sem trombar com os móveis imóveis neste ambiente já conhecido por nós. Ir para o desconhecido é o risco de crescer e hoje a adolescência já chegou aos 30 sem tocar a juventude.

Mas, este congelamento mental é consequência da infância estendida até os 20 e poucos anos. Claro, para os privilegiados a terem quem lhes paparique e superproteja além do prazo de validade. Não há de se pensar muito para ter a garantia das reações a tanta inação, a tanta falta de encorajamento. O tudo posso, tudo quero, tudo tenho, tudo de alguma forma ponho as mãos... Esta insegurança maquiada com segurança nas posses vela uma inveja. A inveja incendiada é o mal real do nosso tempo Neandertal sofrido na ausência de sentidos, na ausência de querer algo além de agilidade e aceleração, menos quando se trata envelhecer...

Não são todos inativos, mas a audição, o tato, o olfato, a visão e o paladar já estão anestesiados com receitas de farmácias paraguaias, o sexto sentido está confuso e o prazer é o único aqui com olhos de Argos, aquele punido por espionar Zeus a ter milhares de olhos para sempre permanecer alerta e vigilante – para resumir. A gula também nos devora. Sempre queremos mais sem limites. Aqui é onde o paradoxo amplia uma ponte longa feita de cordas e tábuas sequenciais e nós damos o primeiro passo sem nos abalarmos pelo balançar constante porque precisamos abrir a janela e passar para fora da nossa caverna.

Porém, os passos seguintes podem ser em linha reta ou ascendentes. Depende da ambição e do orgulho nos preenchendo, depende da raiva, das mágoas e das pedras atiradas porque podemos estar construindo um castelo firme e milenar ou retirando todo nosso alicerce para um vento de boatos e confidências nos ouvidos silenciados. Observar, analisar e raciocinar são algumas das funções do cérebro armazenador – e da visão - de experiências, conector de sentidos, nossa evolução, mas há muito anda cheio de teias de aranhas, areia e alguns até limpinhos, contudo pesados e dependentes de outrem. Enquanto isso, ficamos vivendo picuinhas e indecisões como se ainda estivéssemos aquém da nossa idade cronológica...