Entre
lá e além
por
Rafael Belo
isto de fazer de tudo
coisas, coisas parecidas, coisas iguais, coisas sem nome... Dá a entender que
qualquer coisa vale, que qualquer sorriso é paixão que todo olhar é
interesse, que toda trilha é pra se caminhar, que tudo é cultura, que tudo é
lixo, mas bem sabemos que não. Entre aqui e ali há tanta diferença e energia
consumida quanto entre lá e além. A música, por exemplo, é tanta coisa e mexe
com tantos detalhes de nós que pode ser o resumo mais complicado de todas estas
coisas.
A música nos percorre do
tato ao olfato, do toque ao paladar, da audição a visão, da alma ao coração e
nos consume. E é de liberdade individual consumir o tipo de áudio de sua
preferência e da mesma forma o coletivo não é obrigado a compartilhar de um
gosto particular. Ou seja, ainda bem que inventaram os fones de ouvido. Ainda mais
que entre a música e o áudio de consumo há um abismo profundo onde cabe somente
a nós se jogar nele ou atravessá-lo.
Nem é tanto de cultura ou
conhecimento, é o tanto que o corpo mexe sozinho e o quanto o acompanham a alma
e o coração. É aquela melodia que nos abate e nos ativa, é aquela letra que nos "componhe" e trilha nosso próprio som. Como um encontro das nossas músicas, como
uma cura para todo o mal. Então não há lá, aqui, ali e além tudo se transforma
na mesma coisa. As pontes deixam de ser necessárias e nosso arrepio canta
sorrindo o canto da vida, tudo dança todos dançam quando o som é bom.
Bom não de gosto. Bom de
sentimento. Quando a música emana dos instrumentos somados a melodiosa voz, o
som é divino e fazemos parte da canção. Somos o sentimento, o sentimento somos
nós, há o reconhecimento daquela tradução da alma, do coração, daquele momento,
deste pensamento, de tudo quanto a poesia flui e se emancipa do que diz a
prosa, o cotidiano batido, a trova para dizer da sua forma que a criatura pode
criar e voar com o som, ser criador, ser som, individual e coletivo, e então faz
de qualquer profundo abismo uma rasa poça.
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