quarta-feira, outubro 10, 2012

Miniconto - De grau por degrau

De grau por degrau
por Rafael Belo
Estava no chão. Estatelado. A queda não foi dolorosa, foi anestésica. Da primeira vez a desistir até agora foi um sopro. Tudo tão rápido. Desistiu de sonhar, desistiu de dar opinião, desistiu de tentar... Então, rolou do último degrau sem mais nem menos após decidir desistir. Entregou-se. Era noite quando tropeçou no próprio pé. Pisou em falso e o pé esquerdo bateu no direito. Rolou e a medida dos degraus contou cada um ao som de seus próprios ossos se quebrando em todo baque no concreto. Pelas contas dele foram 500 degraus...

A temperatura de seu corpo variava de grau em grau. As horas passaram diversas vezes por minuto e quando percebeu estar no meio da escadaria os borrões do céu já iam clareando, a madrugada passava... Todo seu ciclo de desistência, da entrega dos pontos era uma sequência em flashes da memória como se estas fossem a causa daquela queda final. Deveria estar sentindo toda a dor inaudita, indizível e merecida por sua covardia para si mesmo. Mas a anestesia impossível o impedia de se perder na dor e só pensava em suas entregas.

Já vinha a metade da manhã e seu corpo seguia estendido no chão. Não era mais um... Deveria estar urrando com as dores do horror do inferno, deveria ter sido morte instantânea, mas não... Estava lá com tamanho sofrimento por cada sonho supostamente apagado, por cada mudança não realizada, por todo silêncio maltratado, por toda palavra subserviente... Este era o verdadeiro sofrimento. Não importava não conseguir mover nem os olhos, ele ainda enxergava...  Talvez este fosse o dom mais desperdiçado, mais ainda a não raciocinar: a visão.

Ele não via ninguém, ninguém o via. Era uma cordialidade de invisíveis. Ninguém estava lá. Eram pedaços e pela primeira vez em sua última situação ele reconhecia. Começou a perceber as dores do corpo e quando seu grito engruvinhado de sangue jorrou sentiu-se virgem em seu corpo, estava presente, estava em outro tipo de entrega, estava entregue ao presente. Revirou os olhos e não havia mais a luz da manhã. Dezenas de pessoas o cercavam e um som estridente se repetida acima de todas as vozes o questionando: está tudo bem você? Onde não dói?

segunda-feira, outubro 08, 2012

Entrega


Entrega
Atenção imagem não modificada
Por Rafael Belo
Este passo ausente no ar entre um lado e outro de uma ponte quebrada provoca reações adversas e contraditórias a nós humanos. Maravilhosos ápices e abismos da capacidade de ter vários sentimentos ao mesmo tempo. Arrebatado e abatidos. Felizes e entristecidos. Os olhos podem estar lacrimejando, a cabeça baixa, mas a certeza de estar no caminho certo enche o coração de uma alegria avessa a todo o sentimento carregado no corpo. Todo este nós se potencializa quando há a entrega. Mas a oposição deste verbo confunde muitas mentes pseudo-sãs.

Entregar costuma vir a ser desistir mais a estar por inteiro na feitura das ações. Começa por entregar a personalidade a moldes midiáticos, segue por seguir às cegas qualquer tendência e fica em uma conclusão depressiva de ciclos estéticos e financeiros a terminar em uma esquina para começar na próxima. É um entregar a vida a dois pesos e duas medidas diante da balança manipulada pendendo para o benefício único. Aí neste cair constante mora a liquidez e inversões de valores, onde quem vive o avesso é o coitado.

Acreditar no seu fazer diário pode ser mais recompensador a necessidade financeira em si. Afinal, são necessidades imateriais o alimento da alma, esta a nos fazer brilhar os olhos e acender os sorrisos. Crer apesar dos erros, das perdas, das enganações, das traições, dos desmerecimentos, das desconfianças... Apesar de tudo há o amanhã. Há um amanhecer pronto para pintar um novo dia neste quadro chamado nós. Mesmo com o medo da dor de dar errado. Mas quem foi que disse ser necessário sempre acertar? No fundo sabemos não haver acertos sem erros. Ações provocam reações, mesmo se forem silenciosas.

Nossa responsabilidade com a nossa fé, com nossos iguais, com quem amamos fica perdida se não assumimos a postura pregada por nós. Porque sim temos sentimentos contraditórios, mas está aí a razão, esta a nos fazer animais racionais para não contradizermos nossas falas e ações. Esta a permitir uma análise para tomarmos uma decisão. E esta a nos levar também a entrega. Completude em cada ação vale muito. Vale além de papéis, de moedas, de plásticos, de tecidos, de borracha... Ser pedaços espalhados acaba por ser remendos de você. Mas onde você está? Por isso, prefiro me entregar.


sexta-feira, outubro 05, 2012

Acordar


Acordar

Dia dorme em teus olhos
e dormes tu, sem acordar
todo mundo adormecido na Luz deste teu Olhar

Um movimento, um novo tempo
um revirar das pálpebras de um sonho limpo

lindo sentimento dormindo bem lá no fundo
ao redor da noite, escuro com estrelas apagadas
e o sono parece querer varar a madrugada

da varanda dos olhos algo desperta
a vista brilha, alerta, com todas as cores cintilantes do esperar
bem diante do abrir dos olhos onde começa o amanhecer e a escuridão acaba

(às 22h07, quinta-feira, 4 de outubro de 2012, Rafael Belo)

quarta-feira, outubro 03, 2012

Miniconto - Sol do Amanhecer

por Rafael Belo

Sentada ela chorava. Nem ela ainda tinha se atentado ao motivo a explodir de sua rasgada alma. Era como se... Se misturasse cada tom de alaranjado pintado lentamente no céu se pondo no sol. Este posto há tempos, dando espaço para a noite e ela chorava. Mas, o pranto derramou-se depois de uma voz constante e profunda ecoar como consciência. Conforme raciocinava sentia um imenso peso oscilar em si.  A voz afirmava: “O único coração inteiro é o coração partido”.  Ela sabia ter ouvido isso de algum filme...

Não fazia sentido ser inteiro e partido, ainda mais porque ela estava sozinha há alguns anos. Ele pensou... E a lua já tinha passado da fase de cheia, mas mesmo assim preenchia o meio da noite. Seu pensamento já chacoalhava por entre as árvores passeando pela quantidade de religiões com o mesmo objetivo e se perguntou por quê A resposta estava ali, guiada pelo vento. Se há tantas árvores diferentes em busca do mesmo objetivo - o Sol – porque haveria de ter uma religião?Cada árvore tem sua necessidade e suas raízes, mesmo o Sol sendo um só.

Nos olhos dela o sol tinha se posto e sua visão estava alaranjada com todos seus tons. Continuar sendo quem era exigia todo o desgaste de manter uma mentira vista por todos. Deitar neste egoísmo já não seria mais confortável. Decidiu não dormir mais em muitas camas e provocar dor em quem for. Não iria mais deixar de se importar. Sua vontade não era mais satisfazer seus próprios desejos. Esta insaciedade não era alimento nenhum, era jogar álcool no incêndio do mundo.

Precisava saciar... Algo mais profundo em si... O vento foi ficando mais forte e as árvores chacoalhavam uma nova harmonia, uma nova música... Um arranjo sonoro gradual a soprar aquele oscilante peso. Mais ao horizonte, novas cores chegavam direto daqueles olhos. Os mesmos em um pranto sem fim já não mais de uma descabida dor desnomeada. Era agora um choro jubiloso. Vinha o amanhecer direto do olhar com novos tons de cores. Ela se levantou e caminhou para cantar junto ás árvores. Foi abrindo os braços e já abraçando um novo tempo a ser uma conexão com a plenitude. As lágrimas iriam cessar.

segunda-feira, outubro 01, 2012

Misturados aos tons alaranjados do pôr-do-sol


Ter fé. Vendo o brilho natural nos olhos das pessoas percebi a vontade de ter em quem acreditar. Ávidas por atenção e por alguém do qual seja possível tocar, conversar e ouvir... Imitar até. Aquela ânsia de estar próximo, esta carência de exemplos a espalhar a desconfiança. Mas, não é uma desconfiança qualquer é um desconfiar confiando com um quê de “e se...” Há uma necessidade latente de completar este espaço tão emaranhado de teias.

Por mais divino ser o humano, há este físico sensorial aflito por algo além da mesmice, existe um sorriso escondido atrás do brilho dos dentes incontidos... Está a carne querendo um semelhante nas falhas, este também sendo divino, este ser de carne e alma no espelho e por onde haja um pensamento. Este deve ser o motivo de tanta contradição, tanto desequilíbrio, tanta expectativa invadindo já fora da pele e da mente incapazes de conter já tanto sentimento exalando...

Então, falar do nosso outro lado, nossos silenciosos pensamentos, nossos ardilosos sentimentos não é mudar é revelar realmente quem é você e quem sou eu. Lá está o medo de ser descoberto, de perder a cobertura do errado, de tentar peneirar toda a velocidade da luz dos raios solares, da própria percepção dos limites entre o poder e a lei. Do seu meio e o da cidade, do meio dos outros e do público. O particular e o público se misturam na navalha viciosa das mídias sociais.

Ficar onde está é como dizer não ter nada mais a ser feito, a vida acabou. É isso mesmo?Os sonhos chegaram ao fim? As conquistas cessaram? Podemos, então, nos misturar aos inúmeros tons alaranjados do sol e nos despedir desta insossa vida planejadíssima por nós, tão inteligentes a ponto de saber a hora de dar um basta, certo? É... Desistir sem tentar o suficiente é bem renovador, é exatamente a forma de mudarmos aqueles detalhes incômodos do qual tanto reclamamos. Estamos a nos pôr?


sexta-feira, setembro 28, 2012

Sombras do entalhe


O detalhe é o entalhe curvado ao vento
no tempo dobrado ao meio ao som dos cales
marcados no devaneio dos males ensaiados
a contento das bases da erosão

anseio da sensação do galanteio errado
pela confusão da mensagem mirada na miragem
da expressão nula, do corpo quieto

passado em branco pelas sombras tocando a luz
pelo olhar atento escondido no discreto
revelado na face no impasse dos detalhes.

(Às 23h17, 28 de setembro de 2012, quinta-feira, Rafael Belo)

quarta-feira, setembro 26, 2012

Miniconto - Erosão dos detalhes


Sua face dizia tanto, seus lábios quanto se mexiam, mas não condiziam com as expressões. Suas mãos pareciam amarradas... Todo o contexto entre os silêncios e a fala parecia perdido entre as palavras costuradas entre uma ferida e outra. Ela estava lá trabalhando a interpretação espiã infiltrada entre o cérebro e a língua, enquanto chovia em uma parte e o sol vinha desértico de outra. Enquanto o mundo vinha desatento trombando em suas falas e suas caras e bocas.

Detalhe é passarem desapercebidos os detalhes. Toda a conversa era incompleta, toda visão deturpada. Toda a riqueza da nossa língua viva e da conversa do corpo eram sumariamente ignorados. Havia um limite bem diante dos olhos oculto e toda informação completa parecia telefone sem fio. Era a aridez de um deserto de atenção. Era como entender apenas 1/3 de cada assunto. Era como enxergar 1/3 do dia pensando ser 3/3. Um rachar da terra na nossa erosão.

Sem água, sem cuidados e sem atenção a erosão se espalhava e toda face rachava e cada máscara despencava. Ela queria entender porque não era entendida, ou melhor, porque era mal entendida e depois tinha de utilizar exemplos. Desenhava e criava uma legenda... E mesmo assim, pouco depois a desatenção voltava. Os detalhes ficavam de lado, a vida ficava de lado. Era essa sua tentativa desde as primeiras linhas: explicar os detalhes.

Mas, a escassez de atenção aos detalhes acabava com vidas todos os dias.  Tornava toda a profundidade um manequim do passado sem vestes para vender sem vitrine para enfeitar. Ela, a entrelinha, ficava solta nas páginas, desentendida nas expressões, flutuando no ar a espera de ser aspirada, no intuito de ser inspiração e a reinventarem como detalhe. Ela gostava de ser um detalhe a mudar tudo, por não ser dita e mesmo assim tanto falar. Porém, ela iria tentar ser ponto final três vezes para garantir ser entendida, mas o grande detalhe é parecer tão reticente...

segunda-feira, setembro 24, 2012

Detalhes na face


por Rafael Belo
Prestar atenção deixou de ser de utilidade pública nestes nossos idos anos. Olhar nos olhos e enxergar os detalhes na face é raridade digna de extinção. Ouvir e distinguir o significado do dito pelo não dito já não é mais captado pelo tom. O corpo nunca falou tão bem quanto agora, mas a surdez de todos os sentidos dessignifica até o silêncio. Não há mais contextos. A ignorância chegou ao seu mais bruto estado novamente e as conversas são ensaios de monólogos ansiosos por terem razão e serem aceitos.

Calar e falar... Tanto faz. A beleza dos significados parece ter se tornado tão insignificante a ponto da eterna dúvida sempre estar no apertar e morder dos lábios, no espremer dos olhos e no erguer das sobrancelhas. Mas, isso não diz nada mais. Os detalhes se profissionalizaram e abandonaram a riqueza popular. Tudo se tornou casca de ovos e desconhecimento. Nada literalmente, claro... Por isso, ontem quando observei cada rosto envelhecido sentado, prestando atenção, tive de sentar e digitar para dividir isso. Ainda há o reconhecimento de todos os tipos de sons e silêncios...

Cada idoso sentado oferecia atenção de uma maneira própria ou forçada pelo avanço da idade. Alguns nem olhavam o orador da noite e estavam cabisbaixos. Outros não tiravam os olhos dele. Uns ainda concordavam, sorriam, se ansiavam, viravam o rosto, tentavam aproximar o ouvido dos lábios de quem falava. Não era dispersos de maneira alguma. A vida lhes deu o diploma da experiência sofrida. As faces marcadas demonstravam suas lutas. Cada sulco, cada ruga, cada olheira trazia uma história pronta a ser contada.

Quando finalmente chegou o momento de interagirem com o orador, mostraram a simplicidade do tempo e o quão pouco é suficiente. Queriam apenas atenção, com isso respeito. Passando a marca dos sessenta são os mesmos. Os mesmos destes seres conhecidos como eu e você. Mesmo com toda essa nossa carência e armaduras enferrujadas, porém, reluzentes. Porque se prestássemos atenção aos nossos próprios sinais e ao nosso redor, poderíamos ser melhores ou pelo menos tentaríamos ser. Assim, me diz se a vida não seria outra.


sexta-feira, setembro 21, 2012

Um minuto atrás


Aquelas palavras embriagaram a alma
e o corpo esticou-se em palma, para o coração bater
sair de suas sucessivas depressivas derrotas, para parar de doer

fazer o verde desviar da rota, dos galhos secos nascer

mas a palavra virou vapor e de tão embriagada choveu

chuva chovida de choverar, enchendo esta garrafa vazia
de um ar incerto, pressionando o embriagado líquido, a estar perto
da água da nostalgia de um minuto atrás

a embriaguez do correto, a bebedeira capaz
de deixar mais sedentos  quem nem sente sede mais.

(Às 22h54, 20 de setembro de 2012, quinta-feira, Rafael Belo)

quarta-feira, setembro 19, 2012

Miniconto - As cinzas da fumaça


Por Rafael Belo
Aquela situação já não enxergava o limite ultrapassado há tempos. O nervosismo e a brutalidade das palavras tomaram uma forma ainda não encarnada antes em ninguém. Foi se transformando aos poucos naquela incontenção e transbordou dela feito obra pública mal estruturada com toda sua qualidade desviada para outros fins... Enfim, ela já não era ela. Ela já era... Seus sentimentos sem sintonia sintonizavam em outras línguas e não era nenhuma inspiração divina o motivo. Um porvir alcoólico desvirginaria aquele sangue não batizado.

Mas, batizar o sangue e marinar os órgãos passariam por um conservar interno só possível depois de juntar os disformes cacos da alma estilhaçada. Podia-se dizer então que era impossível. O álcool a aguardar ela era de uma concentração quase proibida. Até aquele ponto, ela nunca aceitou ingerir nada alcoólico. Sempre recusou - invariavelmente irritada - a oferta dos amigos. Eles a acusavam de não saber viver, especulavam alguma doença e insistiam irritantemente para se lubrificar do entorpe.

E sempre foi assim... Recentemente ela havia perdido todas as suas conquistas, belezas e - como não era Jó – negou sua situação ao máximo até não ter mais suas carências supridas por aqueles homens efêmeros e os massageadores de egos genitários colhidos em locais escolhidos a dedo. Ficou insustentável e julgou Deus por seus problemas. Logo invadia o primeiro bar furreco fechado cometendo dois atos em um só, nunca antes sequer pensados por ela: invadiu e roubou. Quando perdeu as contas não havia mais bebida alcoólica alguma. Seus pedaços estavam tão estilhaçados a ponto de não haver surpresa não ter morrido de coma alcoólico. Era o começo do fim da madrugada.

Nas primeiras horas solares, ela estava em pé, esbravejando. Não teve sucesso em promover seu atropelo. Não era porque os motoristas não queriam livra-se dela, mas porque queriam preservar seus veículos em bom estado. Como ficariam seus planos se houvesse alguma alteração na rota destinada? Indigente e em um mar etílico próprio, exalou mais forte aquele virgem odor para seu corpo, prostrou-se no meio da rua e esperou para sempre um atropelamento digno de sua situação... Chorava cinza e suava fumaça.

segunda-feira, setembro 17, 2012

No meio da rua


Por Rafael Belo
No domingo o almoço costuma ser mais tarde então, antes da 13h, eu ainda faminto, seguia para casa quando vejo um senhor premeditado pelo cheiro alcoólico no ar no meio da Avenida Albert Sabin. O primeiro dia da semana parecia o esquecimento. Os carros desviavam e ele esbravejava como se não fosse um obstáculo, mas a própria rua. A frustração podia ser sentida. Não dava para ter certeza se o efeito do álcool era permanente de quem sobrevive às ruas ou de quem costuma ceder ao vício ou ainda a vontade do entorpecimento. Talvez a certeza fosse a dúvida de como ele terminou por ali.

Podia ser um parente meu ou seu de milésimo ou primeiro grau, um amigo, um conhecido, uma vítima... Mas nossa demagogia nos mantém distante. Ficamos desviando do estender da mão verdadeiro e do abrir do ouvido atento. Quem consome bebida alcoólica ou se reconhece ou deseja nunca o fazer, mas na superfície prefere mesmo ignorar e esquecer antes da próxima esquina. Bem ali no meio da rua podemos até reprimir a situação lastimável, porém se nos colocarmos no lugar, para onde voltaremos?

Quem sabe chegaremos onde está o bom senso. Lá podemos nos perder nesta perdição porque nem ao menos sabemos se o bêbado no meio da rua procura bom senso ou se dirigimos em busca deste. Não reconhecer pode ser o mais aceitável, mesmo se este tal de... For o corpo estranho dentro dos nossos olhos. Quanta dor pode ser entorpecida e por quanto tempo? Esta nossa vontade de ignorar, esquecer, entorpecer... Não pode ser antagônica ao paradoxo do bêbado no meio da rua.

Então, somos este cheiro etílico pairando no ar seco, envoltos a um mormaço angustiante sob o sol incandescente. Quase metáforas irônicas sem sentidos funcionais capazes de entrar em combustão por um pouco de nada. Diante de toda uma semana a percorrer dentro de uma crise identitária, ficamos a mercê de decidir o quão bêbados equilibristas estamos dispostos a ser, bem ali no meio da rua tentando não cair da faixa contínua totalmente em chamas.

sexta-feira, setembro 14, 2012

atados

Plena pequenez ignorada
atada a noite inacabada
pelo dormente fantasma se arrastando pelo vento

serpente silenciosa na escada sibilando o momento
na estrada perdida vestindo nossos descalços pés

até o receber parar de chegar no tempo parado
o tilintar das correntes continuam invocados
pela retribuição do acostamento assombrado

há a chuva do não vem doando a fumaça
pelo impermeável solo - aquém – lado a lado do ato
no tato do desfazer, desato, o ser pelo comando: faça fato!

(às 23h30, quinta-feira, 13 de setembro de 2012, Rafael Belo)

quarta-feira, setembro 12, 2012

Miniconto – Pequenitude


por Rafael Belo
Ele estava preso em suas orgias trabalhistas de horas extras e coberturas. Passava 24 horas recebendo novos trabalhos, novas encomendas e virava as noites se arrastando entre um serviço e outro assombrando seus sonhos com os barulhos de suas correntes, afastando a vida com os sustos de suas ausências. Era tudo para uma vida – esta da qual não participava – ser melhor. Era um receber sem comer direito ou se alimentar demais. Era um receber sem destino, pois, o futuro vinha, ia e no fim não chegava. Ele se consumia feito um canibal capitalista lendo era uma vez...

Leitura esta a beirar a indecência capital no escravizar a um dinheiro a o desejar de tal forma e com tamanha lascívia a deixar o ultraje rigoroso profundamente envergonhado. A imoralidade não custava, recebia. Neste constante receber a prisão uivava por mais, mas era destemperada e ele sabia não ter sentido... A anestesia não permitia quaisquer percepção, sensação e entendimento de toda aquela atuação vívida se desfazendo feita a verdadeira miragem diante dos espelhos. Enfeites do encontrar desencontrado de um despedaçar de um ser não juntado.

E... Aqueles olhos se esvaziavam ao encontrarem seus escuros e obscuros reflexos apáticos em um encarar oco ecoando um vácuo entre um receber e outro. Um despropósito inconsequente de um planejamento arbitrário para uma vida futura, para a ausência presente, para uma negação confusa significando o querer sempre receber. Desconhecendo o distante doar enterrado em algum coração vagando em um deserto de mágoas irreconhecíveis sob um teto de ovos apodrecidos na delicadeza de soltar o verbo correto, desenhar o sorriso da alma, apertar o abraço da sinceridade acolhedora... No haver das entranhas...

Havia um entranhamento visceral tão estranho a ponto dele não existir... Pelo menos ele era invisível fora de suas funções assinadas na carteira de trabalho. Por dentro sua pequenitude sofria o efeito da gravidade em um abismo sem fundo, em uma ilusão encontrada matando a sede na lagoa do oásis. Sobre estas águas alusivas caminhava sua sombra. Um fantasma de si procurando voltar a si...  Ao longe vinha um acolhimento. Eram vários encontros possíveis passíveis do, então, estranhamento. Mas as reações nunca eram medidas ou especuladas e uma arma carregada surgiu diante do armado abraço. Foi um som seco, uma queda sem quique e até ao amanhã as correntes tilintam.

segunda-feira, setembro 10, 2012

Doar ou receber


por Rafael Belo
Neste dia-a-dia capitalista receber é o maior interesse por trás das ações. Receber pelo trabalho, pela atenção, pelo amor, pelo tempo, pelas palavras... Por qualquer movimento dado, por qualquer raciocínio vazio ou elaborado... Ter dinheiro para consumir nos consome. Nos torna ávidos por mais e nos escraviza ao tempo e nos agrilhoa a tanto trabalho a ponto desta corrente nos arrastar feito fantasmas... Assim assombramos a vida doada a nós. Caminhamos sob o sol mais quente sobre a estrada perdida e um céu incerto.

Simultaneamente se simula a mesma ação de suor e lágrimas misturados a um labor muitas vezes sem sabor e nossa vida é um oásis no fim da visão ao nosso alcance, mas sem nosso toque. Como se vivêssemos para ter aquela paisagem, porém sem no fim senti-la porque o fim não existe... É um novo começo, é uma substituição por um compra mais cara. Este sem fim exaustivo nos exaure. Consumidos somos consumo. Consumados somos este desejo nauseante do querer ser pago por tudo para nos recompensarmos...

Por isso, doar hoje é sinônimo de receber algo em troca... Financeiramente, fisicamente... Doar acabou sendo receber. Não é mais raridade. Uma palavra em desuso, um sentimento... É! Um sentimento de não ser o suficiente viver no nosso mundinho de aparências e acúmulos e sem tempo... De meias palavras, deste vazio existencial acachapante... Exatamente deste ser esmagado pelo seu egoísmo solitário achando inconcebível fazer “seja lá...” sem retribuição... É triste nos contentarmos com nossa pequenez diante da imensidão da nossa alma.

Não conseguimos optar pela escolha de refletir sobre nós mesmos e nosso arredor e mais... Como podemos servir para começar uma mudança. É preciso uma intervenção, às vezes, trágica para aprendermos a doar-nos. Doar-nos para alguma causa. Tal ato não causa resultado imediato... Aliás, causa sim. Proporciona uma sensação de participação de um movimento maior, de um elo contínuo de ondas crescentes encharcando esta sequidão em nós, neste uso insubordinado do corpo “em decadência” a alma. E nossa alma manchada necessita de algo de nós: o saber diferenciar doar e receber, para podermos embarcar nos nossos pés descalços e sentir porque viemos em um ônibus quebrado e paramos de vez em uma estrada perdida.

sexta-feira, setembro 07, 2012

Miniconto - Personalidade passageira


por Rafael Belo
Naquela janela ela vivia debruçada. Por esta janela ela assistia o tempo. Pela janela ela era mera paisagem... Pendurada em uma infância sem fim, jogada em uma adolescência sem chegada. A maturidade era uma picuinha à toa sem resultado sem início... De um meio tão parado a ponto de nada parecer. Com os fundamentos em falta e as formas sobrando, tudo parecia ser forma por fora e por dentro. Por isso, então, o raciocínio travava, empacava em um vazio às vezes preenchido por uma personalidade passageira.

Ela tinha um congelamento mental. Portanto, a inação e a falta de encorajamento eram reações normais. Mas, admitir o envelhecimento era inadmissível, era um palavrão imensurável. Era algo tão distante preferível de ficar olhando pela janela... E pela janela a personalidade passava os riscos se esvaiam e nada acontecia, além da angústia, o sentimento de abandono e uma forma abismal de fim a abraçava com força por trás. Um peso sem medidas por fora e outro com toda a gravidade por dentro.

Era um remoer feito rato faminto tentando sair, forçando espaço para escapar de seu fim tão derradeiro, tão próximo a sentir o hálito duvidoso da morte esmagando com mãos afiadas um coração de retalhos. Com aquela bomba de sangue se espalhando pelo corpo com tanta ausência, mais tanta solidão e carência acumulados por desconhecimento de afeto, ao vento se tornar uma paixão avassaladora pelo toque cauteloso e envolvente na pele esquecida. Este era o motivo de ficar ali na janela. Ela esperava um sopro ao menos...

Esta brisa não vinha. Estava tudo seco. Ela secava cada vez mais também. Pela janela debruçada... Sentia um temor de perder até sua personalidade passageira... O tato ainda lhe restara, todos os outros sentidos dormiam. O sono profundo a velava. Nada escutava nada cheirava nada falava nada tinha gosto, mas ela acredita ver – nada via... Não podia ver a madrugada abrindo os olhos da alvorada para ela dissipando cada sombra carregada nas costas, cada sombra grávida no interior... Mas pelo ressoar mudo e a pele arrepiada, ela sonhava outro sonho, além das digitais na viva janela.

quarta-feira, setembro 05, 2012

Pela Janela Viva

Pela janela há dois lados parados
lado a lado com o medo interno disfarçado
de um destemido exterior

pela janela há os olhos olhando serem olhados... Pela janela
tudo passando sem se mexer, sem tocar a juventude da gravidade
tardia idade... Gravidade de envelhecer sem crescer, estática tela

de um tempo branco em branco com as cores concentradas no descolor

é madrugada e parece o amanhecer não vir
mas, na infância longa, se alonga uma tímida luz
pela janela viva aonde um novo dia cintila o pudor do porvir.


(às 18h15, 4 de setembro de 2012, terça-feira, Rafael Belo)

segunda-feira, setembro 03, 2012

Adolescência chega aos 30 sem tocar na juventude


por Rafael Belo
Sair do conforto da situação na qual estamos nem sempre é dar um passo à frente, mas é dar um passo. Caminhar parece ser o terrível medo de nós humanos. Partir do ninho é o segundo passo, o primeiro é conquistar a liberdade materna e paterna. Mas, diante de tanta proteção ou a extrema ausência dela, há o medo das mudanças e sempre é mais cômodo tatear por onde podemos andar cegos sem trombar com os móveis imóveis neste ambiente já conhecido por nós. Ir para o desconhecido é o risco de crescer e hoje a adolescência já chegou aos 30 sem tocar a juventude.

Mas, este congelamento mental é consequência da infância estendida até os 20 e poucos anos. Claro, para os privilegiados a terem quem lhes paparique e superproteja além do prazo de validade. Não há de se pensar muito para ter a garantia das reações a tanta inação, a tanta falta de encorajamento. O tudo posso, tudo quero, tudo tenho, tudo de alguma forma ponho as mãos... Esta insegurança maquiada com segurança nas posses vela uma inveja. A inveja incendiada é o mal real do nosso tempo Neandertal sofrido na ausência de sentidos, na ausência de querer algo além de agilidade e aceleração, menos quando se trata envelhecer...

Não são todos inativos, mas a audição, o tato, o olfato, a visão e o paladar já estão anestesiados com receitas de farmácias paraguaias, o sexto sentido está confuso e o prazer é o único aqui com olhos de Argos, aquele punido por espionar Zeus a ter milhares de olhos para sempre permanecer alerta e vigilante – para resumir. A gula também nos devora. Sempre queremos mais sem limites. Aqui é onde o paradoxo amplia uma ponte longa feita de cordas e tábuas sequenciais e nós damos o primeiro passo sem nos abalarmos pelo balançar constante porque precisamos abrir a janela e passar para fora da nossa caverna.

Porém, os passos seguintes podem ser em linha reta ou ascendentes. Depende da ambição e do orgulho nos preenchendo, depende da raiva, das mágoas e das pedras atiradas porque podemos estar construindo um castelo firme e milenar ou retirando todo nosso alicerce para um vento de boatos e confidências nos ouvidos silenciados. Observar, analisar e raciocinar são algumas das funções do cérebro armazenador – e da visão - de experiências, conector de sentidos, nossa evolução, mas há muito anda cheio de teias de aranhas, areia e alguns até limpinhos, contudo pesados e dependentes de outrem. Enquanto isso, ficamos vivendo picuinhas e indecisões como se ainda estivéssemos aquém da nossa idade cronológica...

sexta-feira, agosto 31, 2012

Miniconto- Ventania

por Rafael Belo
Faltaram as palavras. Foi aquele silêncio constrangedor. No meio do protesto tudo se esvaziou, as pessoas se dispersaram com o novo assunto recém-chegado. Depois a internet parou de atualizar e ninguém mais curtiu, nada foi compartilhado.  A invenção parou. A voz foi calada e os dedos de tanto atrito acabaram calcificados no excesso. As ruas já vazias jaziam inertes enquanto os semáforos piscavam à procura daqueles seres de outro tempo a congestionarem...  As imitações e apropriações deram lugar à letargia. Toda esta sonolência pescava em cada vazio a completar mais uma adaptação do distúrbio social da sequidão. Esta seca se espalhava.

De alguma forma aquele homem disforme se tornara seco. Perdeu seu nome e qualquer registro de identidade. Acreditava ser o ouvir. Tudo ouvido era absorvido e caracterizado. Mas, durava pouco ele precisava se isolar e celebrar suas verdades secretas. Não se sabe porquê estas verdades dele se mantinham. Porém, qualquer informação recente, logo era esquecida.  Algo em torno de um dia, 24 horas e pronto... Nada. Sua mente se reiniciava como um bug do milênio real. Sua memória voltava a ser uma esponja seca e os recém-conhecidos, absolutos estranhos. Ele vagava em meio à poeira e a fumaça de um incêndio recente se alastrando com o forte vento.

Suas realidades virtuais não eram contradições. Contradição era sua presença, pois ela era a ausência em pessoa – bem quase isso. Havia um conflito o tempo todo para se saber sobre o motivo da briga, às vezes opinava sobre a superficialidade de tanto conflito interno, mas quando tudo se transformava em crise, ele batia cabeça. Faltavam palavras, faltavam pessoas, faltava conversa... Faltava... Bem... Outra hora lembramos... Certo era o homem sem nome navegando em águas turvas, se aventurando por onde não se enxergava, sem eira, sem beira, sem forma, devidamente constrangido em meio aos ex-conhecidos a o olharem de esguelha...

Algo dizia em seu interior empoeirado ser ele o escolhido para viver longe da sociedade, mas em sua loucura autista escolhida sempre se esquecia... Ser mais um de pele de areia, de memória curta, de vícios dispersos a ser dispersado por todo vento soprado, contra,  à favor... Mas há tempos não ventava e os secos clamavam por um vento novo. Todos pediam por uma ventania para levar esta casca plastificada e chamavam por um interior perdido em outras profundezas. No entanto, havia algo mais enraizado nesta poeira... A preguiça abraçada ao devido profundo se espalhava. A seca era a comida dos olhos, a bebida expelida da boca, o toque espinhoso do sentir, o arder do cheirar e as palavras quebradiças arranhando os ouvidos... Era o deserto de pessoas.

quarta-feira, agosto 29, 2012

Desassociados


Palavra contorna palavra,
desabafa os dedos teclados,
clicados ratos das aberturas virtuais escravas

vícios do fogo sem palha
da forma vazia sem toque
do TOC internado sem choque

com voz distorcida dos retoques
do curtir e compartilhar competitivo
do seguir o autismo escolhido
pelo caminho do conformismo editado

nas nossas ausências realizadas
postadas... Pelo ditado social.

(Às 21h20, Rafael Belo, terça-feira, 28 de agosto)

segunda-feira, agosto 27, 2012

Apatia e conformismo se dão as mãos

por Rafael Belo

Falar é fácil... Difícil é contornar as palavras. Mas, a dificuldade mesmo nestes dias de internação e desabafo no Facebook e contenção de palavreado nas tags e disparos de palavrões no Twitter é agir no mundo real. Parar de ritmar os dedos no encontro das letras nos teclados e cliques desenfreados e desatrofiar as pernas para reclamar efusivamente sobre os nossos direitos parece um mito, parece não dar certo no Brasil. Mais útil é deixar as formas do nosso corpo aonde permanecermos ou aflorar ainda mais nosso autismo por escolha.

É muito menos desafiador ser curtido e compartilhado por meio de mensagens clonadas, adulteradas e imagens usurpadas e editadas, a criar e se expor. A apropriação indevida, a coação do poder, o mimetismo das celebridades, a comodidade confundida com o comodismo e a apatia de mãos dadas com o conformismo sãos os nocautes do nosso ego diário procurando qualquer melancia para sermos aplaudidos nessa nossa vida de palhaços. Esse nosso jeitinho distorcido de sermos moldados aos ambientes acaba mais em camuflagem a dinamismo. Nossa confusão é tão intensa a nos tornar fogos-fátuos. Combustão espontânea onde o ar encontra o apodrecido.

Sempre há algo de podre no reino... E tudo bem¿? Vamos ganhar dinheiro de qualquer jeito? Vamos manter tudo como está? Vamos nos inventar tantas vezes até esquecermos quem somos? As linhas limites entre bondade e maldade se perderam quando os valores se inverteram e percebemos o fato da vida não ser um filme, muito menos a superfície de uma novela, mas mesmo assim vivemos personas ingratas e vorazes por mais... Passamos a afunilar um único olhar para todas as pessoas e culturas e esquecemos do relativismo generalizado, e esquecemos de quão profundo somos, e fazemos algo positivo para tentar anular algo negativo, e fingimos a falta de consequência perante nossas ações, e continuamos a forçar nosso esquecimento ao termos de dizer se somos bons ou ruins, pois somos ambos.


Fomos domesticados a sermos aceitos sempre e vencer constantemente. Fomos escondidos e acreditados na centralização do eu e com este aprendizado queremos ser coletivos... Queremos ser sociais... E bebemos e nos embriagamos de um tóxico qualquer e só assim revelamos ressentimentos egoístas, pensamentos covardes e atos insanos. Somos tão sociais e temos tantos amigos, a ponto de ser comum termos escolhido o autismo. Mesmo estes entre nós a parecerem sociais de fato serem uma caricatura de uma falta de análise psicológica ou da ausência de coragem de falar o pensado e o sentido. 

Nossas ausências são o verdadeiro preenchimento vazio oferecido por nós as nossas realidades.

sexta-feira, agosto 24, 2012

Miniconto - Sétimo dia



por Rafael Belo
Morto e enterrado. Para as pessoas e a medicina, Jazco Silva jazia há uma semana. Exatamente sete dias haviam se passado quando o falso falecido fez seu corpo presente no meio de sua própria missa de sétimo dia. Não há dúvidas da correria, do pensamento de brincadeira mórbida. Mas, o ex-morto, estava realmente vivo. Sujo, faminto, desnorteado, praticamente um zumbi. Por isso, o fato da igreja ficar acima do jazigo da família explicava o motivo de Jaczo estar ali tentando raciocinar porque tantas imagens dele e porque todos os familiares, amigos e conhecidos estavam ali.

Coração parado. Estas foram as últimas palavras ouvidas por Jazco. Depois tudo foi silêncio. Nenhuma voz de fora. Quando acordou tinha certeza de ter conversado muito, mas se falar. Estava se esforçando para lembrar palavra por palavra, enquanto os mais saudosos e corajosos se aproximavam, tocavam, perguntavam... E Jazco olhava olho por olho ao mesmo tempo lembrando a história de cada presente com ele. Até então, tudo estava escuro e rastejante, mas aos poucos uma ponte iluminada surgiu em sua mente.

Veio a Luz. Como se sua alma voltasse apenas neste momento. Jazco sorriu e todos pararam, tudo silenciou e quem se encheu de ruídos e de todo o claro som do mundo foi Jazco. Iluminado começou a falar, foi até o altar e feito o principal elemento para quem a missa era dedicada, inverteu os papéis. “Uma voz me tranquilizou este tempo efêmero no qual estive enterrado. Meu coração estava parado. Mas tive nova chance... Não sabia... Meu coração parado, já vinha sem bater há muito... E este ato físico acontecido, há de acontecer com todos se não ressuscitarem seus corações”.

O dito acelerou tanto os corações presentes a ponto de esquentar em um grau de espasmos. Corpos e almas se mantinham embevecidos e a pele arrepiada, porém, as mentes medrosas ferviam por outro motivo. Não era algo racional, nada a produzir um raciocínio aceitável, então, continuaram a ignorar os sentidos do corpo, da alma, as batidas dos corações parados e, pelo anunciado, estavam prestes a somatizarem para um funeral coletivo de proporções tão imensas a quebrarem as tradições dos caixões tailandeses... Vários Jazcos estavam acontecendo por toda parte.

quarta-feira, agosto 22, 2012

Vivendo


Para coração a bater na razão não mais batida
para um sensação repetida, sentida no mais intenso amparo
para o reparo do ainda não parado
para a paródia do sentimento somado

paro, separo, bato coração apanhado
para coração parado, quase enfurnado
para paradeira sem paradeiro na eira do comparo do atalho coroado

paro para poder continuar batendo
para o apanhado de vida no nosso punhado
apunhalado de corações, seja alvoradas e crepúsculos
para passarmos das ações dos súbitos, ao não morrendo.

(Rafael Belo, Às 23h27, terça-feira, 21 de agosto de 2012)

segunda-feira, agosto 20, 2012

Coração parado

Por Rafael Belo
Quantas vezes seu coração já parou? Não por ver seu amor passar, por sair ileso de um acidente, por levar aquele susto, por ser demitido, rejeitado, aprovado... Enfim... Me diga... Mas, sofrer 70 paradas cardíacas sequenciais no mesmo dia e permanecer vivo faz mais uma vez termos na ponta dos dedos a fragilidade da vida e termos em mente a força da alma humana. Agora some 66 anos, vida sedentária e alimentação ruim, de Francisco Silva, seria a sombra da morte, ou melhor, a própria morte ainda mais se acrescentarmos: a partir da quinta parada a medicina prova não funcionar mais os choques.

Milagre, Deus, fé... ? Tudo junto, nada disso... A vontade e a ação vinda na crença em si mesmo é todo o início de pavio alastrado pela chama a chegar até nós. Viver, sobreviver só é possível se acreditarmos. Cada etapa de crescimento pulada é um vácuo, é uma depressão semeada armazenada na memória da terra infértil vinda de uma poeira perdida até nós. É como se o vazio soprasse nos nossos ouvidos moucos e esta surdez nos preenchesse pelo coração parado.

Esta parada é consequência. Nossa inconsequência é esta parada. Talvez 70 seja algo nos levando a acreditar nas tentativas de continuar cada etapa escolhida da vida. No entanto, especulações sempre podem ser confirmadas - se esta for a vontade - e nos levar a histerias e outros extremos. Basta uma simples incitação para uma multidão raivosa provocar o caos ou fundar uma nova forma de acreditar no já acreditado. Eis a liberdade de expressão, só precisamos conscientizar nosso cérebro a não sermos só emocionais e somente racionais.

Já sentimos a parada do nosso coração diversas vezes pelos mais diversos motivos, nenhum fatal nenhum realmente físico... Mas, há sequelas. Fatos como este, a terem espaços em meios jornalísticos, ou pseudojornalísticos, são sim para se pensar na nossa força, nas consequências dos nossos atos, na nossa dicotomia de também sermos fragilidade, afinal quantas pessoas aos 66 anos, como Francisco, tiveram 70 paradas cardíacas e estão vivas quatro anos depois do ocorrido? O coração parado pode deixar de ser literal e ser literário quando somos apenas as linhas tortas esperando ter novas palavras.

sexta-feira, agosto 17, 2012

Miniconto - Bebendo do próprio ego transbordante


por Rafael Belo
“Vergonha alheia”. Mal tenho vergonha dos meus fazeres e afazeres quem dirá do dos outros. Condescendência típica... Mas esta é a moda moldada na boca das ruas e na linha do tempo do face. Não tenho vergonha da comédia e do drama da queda de outro no chão. Eu rio, dependendo da gravidade, e chego para ajudar a levantar, pronto. Realmente ficou no passado. Mas ai daquele que vier de dedo em riste dizer como devo ser, qual forma tenho de agir e o sentimento vazado no rosto. Demais, ainda mais se você for se definir pelo meu nome: Ególatra Eussim.

Mas desta forma eu ajo. Eu dito como as pessoas devem ser na minha visão e eu as adéquo a minha maneira, a mais correta de se viver. Eu comando, tenho tudo nas mãos... Estes fios invisíveis a te moverem são a “informação desnecessária” sobre você. Você é meu títere. Além de meu fantoche onde enfio minha mão e te movo. Você não percebe, eu sou teu mestre. Você está sob meu comando e cada dedo meu mexido faz algo contigo feito uma pressão não sentida. Meus queridos Pinóquios. Minhas madeirinhas esculpidas a fogo e talhadeira, bebem de mim como seu fosse água. Coitados, tenho dó!

... Não, não tenho! Os quero seguindo como degraus me elevando, me dando suas glórias mesmo parecendo serem suas. “Vergonha alheia”... Fala sério! Mostrem esta mágoa, este rancor, esta explosão de ódio guardado para uma vingança sem fim na Avenida Brasil ou escrachada e Cheia de Charme. Vai lá diga a verdade, mostre suas garras afiadas e suas presas esverdeadas de veneno. Chega de fingir este seu puritanismo apodrecido há décadas. Sei do seu gosto pela manipulação. Assuma seu sabor de manipular e se adequar de maneira subversiva aos seus interesses e somente por eles.

Vamos confirmar o nome: Ególatra Eussim. Todos somos. Mas eu sou mais. Eu sou o Aliciador dos aliciadores, o serial killers dos seriais killers, Eu sou Eu. Vocês venham a mim, me adulem, me idolatrem, me fotografem, façam primeiro comigo ou as consequências serão... Digamos... Articuladas ao fundo, armadas em silêncio, matutadas feito pasto bovino, ruminando... Porque eu não sou nada além de mim, e tudo sou eu. Não há nada a ser aprendido se eu não ensinar, então, aprendam agora... Na próxima receberam só meu esporro.. Bem... A não ser... Humm, quando eu precisar de você eu te aciono, fique no aguardo. Até a próxima.

quarta-feira, agosto 15, 2012

Folhagem ao tempo


Espelhos se estilhaçam de reflexos
nos infinitos efêmeros generosos
gêneros do genial genioso humano

caducando a juventude na extinta meia idade
espelhada na reflexão da atenção única a própria voz
ecoando os trincares ressoados nas cordas atando

nós tocando a garganta autossaturada
sons graves entre a sequidão engolida e os palavrões exaltados

fotografados na coleção de imagens solipsistas condensadas
soltas na pista à mercê de valores quaisquer, floreados.

(Às 23h20, 14 de agosto de 2012, terça-feira, Rafael Belo)