sexta-feira, outubro 21, 2016

A grade (miniconto)



Por Rafael Belo

Não consigo me lembrar de todas as escolhas. Elas me trouxeram até aqui. Neste pensar em nada enquanto sou absorvida por tudo. Este olhar virgem, nu, sem filtros... Não posso pensar nas reações, não posso pensar em limitações, não posso permitir o acontecer do outro mudar minha órbita, não posso pensar... Esvaziar é preciso, mas estou preocupada em ninguém saber meu nome. Cada um me chamou de modo diferente, menos Luizia Fatona. Não devo me preocupar. Foco em me entregar, tocar...

Como não reagir a esta aparente indiferença? Melhor não olhar. Agora entendo a velha expressão “o rei está nu”... É solitário estar aqui na frente. Voz, violão, pensamentos e sentimentos... Uau! É poderoso! É diferente ouvir o retorno na minha voz, lidar com este microfone... É intimidante também! Ah, estão mais solidários agora! Cantando comigo... Deve ser cruel expor uma autoral ainda mais se... Se não for compreendida... Será que arrisco? Não! Vou me preparar melhor...

Palmas? Incentivos? Obrigada... Posso sorrir agora...?! Será...? É assustador e um alívio ao mesmo tempo. É como estar na escola ou na faculdade de novo... Sempre procuramos aceitação mesmo quando dizemos que não? Oh, mundo cruel! Não! Cruéis são as pessoas! Cruéis somos nós! Não é isso também... Não tem a ver com crueldade ou maldade. É tão simples deixar esta dualidade, esta versão antiga do bem e do mal. Não é simples!  Há tantos motivos que não explicam, mas ajudam a entender os comportamentos...


Som? Som? Nossa! Acabou a luz e nem percebi... Mas, também... Malditos olhos fechados! Maldita mania! Ah, a arte de pensar negativo e sorrir... Como vou me conectar, me despir sem vergonha sem abrir os olhos? O mundo constrói este grade nos dividindo por idade, por gênero, por número, por grau... Enquanto somos pensantes animais emplumados hora franguinhos, galinhas, galos... Hora patinhos, gansos, cisnes... Mas estamos sempre presos pelos pensamentos, Pelos sentimentos... Não importa o lado da grade porque somos a grade! A luz voltou! Ufa! Ufa? Estão todos esperando... Esperando-me! O show tem que continuar! Vamos tocar!

Nenhum comentário: