quarta-feira, setembro 12, 2018

Ciclos (miniconto)







por Rafael Belo

Eu parecia digna de uma internação. Ria e chorava sem saber qual era qual mais. As pessoas desviavam de mim. Desviavam! Que mundo é esse, gente! Isso significa que preciso de ajuda e não isolamento. Ei! Quem chamou a polícia? É porque sou mulher, não é? Se afastem! Saiam! Não encostem! Não fiz nada de errado. Tenho mais direito que estas propriedades! Sou uma pessoa, não a droga de um estabelecimento comercial escravizando estes pobres coitados por um salário indigno... Tira a mão! Espera! Vou chamar meu advogado! Lógico que tenho! Devolve meu celular! Você não tem esse direito!

Você não deveria ter esperado tanto! Como estão os machucados? Eu não bati neles! Eu me defendi! Eles me ofenderam, me agrediram, disseram que tinha saudade de quando as mulheres eram obedientes... Vai se f*&¨%@! Foi demais para mim! Quando tentaram me subjugar aí me defendi e só dei um golpe em cada um, não importa que desmaiaram ou se omiti as minhas graduações marciais. Você viu quantas visualizações tinham os vídeos? Quantas pessoas gravaram e subiram no Youtube? Viralizou é? Por isso a gritaria lá fora... Ninguém descobriu minha identidade. Eles não podem me obrigar a dar minhas digitais ou qualquer outra forma de identificação e...

Eu disse para você não falar com ninguém... Como você? Seu filha da p*&¨% mexeu nas minhas coisas. Como fica minha teoria da dor e saudade serem a mesma coisa? Seu bosta! Não sei como me sentir com isso além de raiva... Você falou algo de Enoque, Matusalém, Lameque, Noé... Tudo bem! Só espero não ter falado daquelas realmente importantes Betenos, Ada, Zilá, Naamá, Enzara... Não falarei o nome de todas. Este patriarcado falso nunca existiu o homem não pode gerar nada. Só saudade e dor. Nós fomos contagiadas com ambas e ainda...

Deixa eu me calar. A saudade e a dor serão despertadas agora na forma certa. As lágrimas serão enfim novos oceanos. Escute a comoção lá fora. Escute os celulares, as rádios, os podcasts, as tevês... Estão todas ligadas neste momento e por alguma razão que ainda desconhecem falam de dor e saudade... Eu devo voltar a rir e chorar como se só fosse saudade, como se tudo acabasse em dor e cada vez mais minhas prisões serão menores. Está na minha pele, no meu coração, na minha mente e na minha alma. Minha caixa final nem tem grades. Agora minha prisão é real!

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