sexta-feira, fevereiro 08, 2019

Expirando o mundo (miniconto)








por Rafael Belo

Só seguiam sensações em mim. Arrepiava minha pele, pequenos espasmos sorriam meu corpo todo. Eu estava aliada a uma imensidão incompreensível pela mente. Parecia não haver necessidade em mim de respirar o invisível respirava por mim. Tudo me inspirava e profundamente me sentia nos pulmões da Natureza. Naquele silêncio particular eu era coletiva, era singularidade e extensão, um ontem e um amanhã costurado com raios solares me amanhecendo de novo ali. Eu estava no todo do meu mundo não havia meu gênero feminino, não havia coisas concretas nem abstratas. Ali eu simplesmente era.

Reparei estar vestida quando senti aquele tecido de algodão roçar minha pele, contornar meus seios e via das curvas da minha mente a necessidade de me despir de tudo. Assim o fiz. A brisa me trouxe de volta. Eu não conseguia parar de sorrir. O privilégio de poder chegar em um lugar onde só a natureza habitava há tanto tempo. Um lugar perdido. Sou grata por esta perdição. Voltei a ouvir aquela cachoeira e pude ver a água, turva pelas chuvas na nascente, ficar lentamente transparente. Fechei os olhos e caminhei até a beirada escorregadia daquele penhasco. Eu estava em paz...

Lembro-me apenas de estar lá embaixo em um lapso proposital de tempo. Nunca amei tanto a vida. Nunca me amei tanto. Aquele era o ponto dos milagres. Onde a mente era alma fluindo pelo corpo e tudo era possível. Eu ouvia meu coração e minha respiração. Os ouvi silenciosamente durante toda minha jornada até ali. Olhei ao redor quando lembrei da minha mochila. Não foi difícil a encontrar. Se eu fosse tomada pela lógica afirmaria estar alucinando e questionaria ouvir algo além daquela cachoeira com quase 500 metros de queda. Avancei e me sentir enraizar nas pedras e depois pela areia molhada. Ao mesmo tempo meus braços esticados eram a água e o ar.

Não era mais complexamente mulher. Era a Sereia destinada do lugar. Eu me equilibrei com o tempo, com o som, com o espaço... Éramos sintonia. Aquela música cantava naquele lugar desde o início dos tempos. Ciência, mitologia e divindades se misturaram em mim. Quando abri os olhos não sabia se era déjà-vu, memória, vivência ou premonição. Sabia ser minha maior inspiração. Só não tinha certeza se aquela tela viva, consumindo quem não inspirava, deixaria o mundo sobreviver a ela.

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