segunda-feira, setembro 24, 2012

Detalhes na face


por Rafael Belo
Prestar atenção deixou de ser de utilidade pública nestes nossos idos anos. Olhar nos olhos e enxergar os detalhes na face é raridade digna de extinção. Ouvir e distinguir o significado do dito pelo não dito já não é mais captado pelo tom. O corpo nunca falou tão bem quanto agora, mas a surdez de todos os sentidos dessignifica até o silêncio. Não há mais contextos. A ignorância chegou ao seu mais bruto estado novamente e as conversas são ensaios de monólogos ansiosos por terem razão e serem aceitos.

Calar e falar... Tanto faz. A beleza dos significados parece ter se tornado tão insignificante a ponto da eterna dúvida sempre estar no apertar e morder dos lábios, no espremer dos olhos e no erguer das sobrancelhas. Mas, isso não diz nada mais. Os detalhes se profissionalizaram e abandonaram a riqueza popular. Tudo se tornou casca de ovos e desconhecimento. Nada literalmente, claro... Por isso, ontem quando observei cada rosto envelhecido sentado, prestando atenção, tive de sentar e digitar para dividir isso. Ainda há o reconhecimento de todos os tipos de sons e silêncios...

Cada idoso sentado oferecia atenção de uma maneira própria ou forçada pelo avanço da idade. Alguns nem olhavam o orador da noite e estavam cabisbaixos. Outros não tiravam os olhos dele. Uns ainda concordavam, sorriam, se ansiavam, viravam o rosto, tentavam aproximar o ouvido dos lábios de quem falava. Não era dispersos de maneira alguma. A vida lhes deu o diploma da experiência sofrida. As faces marcadas demonstravam suas lutas. Cada sulco, cada ruga, cada olheira trazia uma história pronta a ser contada.

Quando finalmente chegou o momento de interagirem com o orador, mostraram a simplicidade do tempo e o quão pouco é suficiente. Queriam apenas atenção, com isso respeito. Passando a marca dos sessenta são os mesmos. Os mesmos destes seres conhecidos como eu e você. Mesmo com toda essa nossa carência e armaduras enferrujadas, porém, reluzentes. Porque se prestássemos atenção aos nossos próprios sinais e ao nosso redor, poderíamos ser melhores ou pelo menos tentaríamos ser. Assim, me diz se a vida não seria outra.


2 comentários:

Anônimo disse...

O mini-conto retrata a velhice,onde as pessoas ficam cada vez mais solitárias.Quando aparece uma oportunidade para elas participarem de alguma atividade,então ficam deslumbradas.
Parece mais uma criança tudo é novidade.

La Sorcière disse...

Seus mini contos são para ler, deliciar-se e refletir muito.
bj