Ele era (miniconto)
por Rafael Belo
Ele era uma fraude. Não se
transformou em uma. Passou sua vida se vendendo como o bad boy, o malandro, o
próprio sumidouro de corpos... Mas, não. Era uma fraude. Pelo menos até agora. Este
momento... Finalmente neste momento ele acabaria com toda aquela dor, deixaria
para trás toda a fama arrumada, toda a bagagem, todas aquelas pessoas caindo
como granizo depois de dias de muito calor e de repente o tempo fechado, as ruas
inundadas, a visibilidade abaixo de zero... Para ser quem é pela primeira vez,
haveria ainda mais dor, porém, somente dele e de mais ninguém.
Primeiro precisava saber se era um
sábado cortado, um domingo apagado ou um feriado não lembrado. Nunca trabalhou
nos dias comuns. De segunda a sexta eram cinco dias em branco, mas seus dias
eram ou feriados, ou fins de semanas recortados e apagados. Era sua seleção
natural de horas diárias junto com sua coleção de dores, que se transformavam
em sofrimento e acumulavam debaixo de sua pele como agulhas e navalhas afiadas
retorcendo.
Durante cada um dos segundos dos seus
40 anos buscou acabar com seu teatro, com sua peça interminável que, bem,
estava terminando em um prolongado agora. Não sabia se era inocente, culpado,
esperto, burro, experiente, se vivia de braços abertos ou fechados e esperava
se descobrir assim que terminasse com a fraude, assim que descobrisse como
deixar de ser covarde, egoísta, porque no fundo não queria deixar todas suas
conquistas, mas ao pensar bem ele sabia não ter nunca conquistado nada, afinal
era uma fraude.
Portanto, ele sentia um paradoxo das
dores detalhadas no inferno, mas em si mesmo. Se sentia por fora açoitado,
esfaqueado, queimado e com pregos sendo pregados em todas as articulações e
debaixo das unhas, além de ser esticado por cordas em todos os seus membros e
cabeça. No entanto, por dentro... Ah, por dentro, ele se sentia afogar, pegar
fogo, escorrer em ácido, um mastigar de cacos de vidro e um esmagar sucessivo
em seu coração e genitais.
Naquele lugar vazio no meio dos
lugares mais abandonados do mundo, conhecido como Deserto Perdido,
gritos e gargalhadas se alternavam, como o pior pesadelo das pessoas e então
veio o silêncio mais doloroso ainda e ele não era mais uma fraude. Era um sussurro
alto demais, um grito mudo ao extremo. Ele era um parto errado. A solidão de não saber quem é.
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