sábado, dezembro 14, 2013

Nem tão fanática (miniconto)

Nem tão fanática (miniconto)
por Rafael Belo

Ela tentou não entrar no estádio. Dias antes a tensão já explodia e sujava toda a cidade. Não era nada bonito de se ver. Era fanática como uma torcedora turca do Fenerbahçe e quando se trata de fanatismo nenhuma torcida do mundo é mais devota ao seu time como a turca. Não tem Flamengo, Corinthians nem hooligans que se aproximem dos turcos. Mesmo assim ela conseguia raciocinar o suficiente, em meio a sua massa organizada de hurros e performances, para se afastar quando a confusão começou e não terminou nem depois de toda a violência ao vivo. Mas mais que sangue, havia ganância tanto na transmissão quanto na primeira provocação nas arquibancadas.

Seu coração pensava mais no momento. Nem toda a estratégia da mente a convenceu e, afinal, era o último jogo do campeonato e já havia um campeão há várias rodadas. Dizem que é preciso seguir o coração. Ela seguiu ignorando todo o grito contrário da mente e seus instintos. Não precisou de 17 minutos para a plateia mudar de lugar e se alguém quisesse personificar a tensão, era ela em pessoa. Os jogadores assistiam do campo. Era o maior circo da terra. Algo como gladiadores no Coliseu. A diferença gritante e gritada era a estranheza por trás de tanta violência orquestrada por uma música de fúria acasalando com Irã e, claro, milhões e milhões investidos.

Prestando atenção ao máximo que podia, ela tremia e quando se deu conta percebeu que não era de medo, era raiva pura e doía. Parecia beber aquilo como se fosse possível saborear ácido sulfúrico goela abaixo. Ela gritava e gritava. Nem os microfones da Bobo (faz bobos) captava. Obviamente não era a única aos berros. Mas se houvesse interesse de divulgar a tradução da histeria comprada e vendida (menos a dela) sairia como uma troca de ofensas em um grande leilão de índios aonde os possíveis compradores davam lances alucinados para obter a terra, a guerra, uma alma e o direito de gritar, além - quem sabe - de comprar alguma rego político...

Toda a selvageria instigada por Roma, ou melhor, romana... Aliás, capitalista terminou passados cerca de 70 longos e eternos minutos. Depois todos se sentaram como se nada tivesse acontecido, apesar de vísceras espalhadas, sangue escorrendo, membros pendurados, dentes perdidos, cabelos faltando e, claro, a nudez generalizada. A briguinha passou como uma pequena marola. Nas arquibancadas brotaram tantas pessoas, que antes nem ali estavam, cadeiras lotadas e mais uma hora e meia de puro entretenimento e gols aconteceram. Para o delírio dos telespectadores. Um belo espetáculo e dizem que depois do depois do depois ainda continuaram as provocações e agressividade comprada, mas tudo que se pensava se resumia a três frases de múltipla escolha eram: imagina na copa (), o jogo tem que continuar () e que torcida distorcida(). As alternativas sempre se são a síntese da ganância.

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