Nem tão fanática (miniconto)
por Rafael Belo
Ela tentou não entrar no estádio. Dias antes a
tensão já explodia e sujava toda a cidade. Não era nada bonito de se ver. Era
fanática como uma torcedora turca do Fenerbahçe e quando se trata de fanatismo
nenhuma torcida do mundo é mais devota ao seu time como a turca. Não tem
Flamengo, Corinthians nem hooligans que se aproximem dos turcos. Mesmo assim
ela conseguia raciocinar o suficiente, em meio a sua massa organizada de hurros
e performances, para se afastar quando a confusão começou e não terminou nem depois
de toda a violência ao vivo. Mas mais que sangue, havia ganância tanto na
transmissão quanto na primeira provocação nas arquibancadas.
Seu coração pensava mais no momento. Nem toda a
estratégia da mente a convenceu e, afinal, era o último jogo do campeonato e já
havia um campeão há várias rodadas. Dizem que é preciso seguir o coração. Ela
seguiu ignorando todo o grito contrário da mente e seus instintos. Não precisou
de 17 minutos para a plateia mudar de lugar e se alguém quisesse personificar a
tensão, era ela em pessoa. Os jogadores assistiam do campo. Era o maior circo
da terra. Algo como gladiadores no Coliseu. A diferença gritante e gritada era
a estranheza por trás de tanta violência orquestrada por uma música de fúria
acasalando com Irã e, claro, milhões e milhões investidos.
Prestando atenção ao máximo que podia, ela tremia e
quando se deu conta percebeu que não era de medo, era raiva pura e doía.
Parecia beber aquilo como se fosse possível saborear ácido sulfúrico goela
abaixo. Ela gritava e gritava. Nem os microfones da Bobo (faz bobos) captava.
Obviamente não era a única aos berros. Mas se houvesse interesse de divulgar a
tradução da histeria comprada e vendida (menos a dela) sairia como uma troca de
ofensas em um grande leilão de índios aonde os possíveis compradores davam
lances alucinados para obter a terra, a guerra, uma alma e o direito de gritar,
além - quem sabe - de comprar alguma rego político...
Toda a selvageria instigada por Roma, ou melhor,
romana... Aliás, capitalista terminou passados cerca de 70 longos e eternos
minutos. Depois todos se sentaram como se nada tivesse acontecido, apesar de
vísceras espalhadas, sangue escorrendo, membros pendurados, dentes perdidos,
cabelos faltando e, claro, a nudez generalizada. A briguinha passou como uma
pequena marola. Nas arquibancadas brotaram tantas pessoas, que antes nem ali
estavam, cadeiras lotadas e mais uma hora e meia de puro entretenimento e gols
aconteceram. Para o delírio dos telespectadores. Um belo espetáculo e dizem que
depois do depois do depois ainda continuaram as provocações e agressividade
comprada, mas tudo que se pensava se resumia a três frases de múltipla escolha
eram: imagina na copa (), o jogo tem que continuar () e que torcida
distorcida(). As alternativas sempre se são a síntese da ganância.
Nenhum comentário:
Postar um comentário