domingo, outubro 13, 2013

Olhos virgens (miniconto)


Olhos virgens (miniconto)

Pelos passos paralelos, ele deixa seus fragmentos. Pegou carona no vento. Também foi ser passageiro daquele tempo. Achava incrível ser pedaços. Pedaços do tempo, do vento, do universo, da vida, pedaços de si mesmo. Olhando para trás se via como as migalhas de João e Maria. Só que seus pedaços permaneciam em todos os lugares, caídos como deviam. Ele não pretendia voltar, mas gostava de ver por onde havia passado. Saber de sua parte permanência nos corações e lares. Se tinha medos? Apenas de ser inteiro. Se inteiro fosse, não estaria em tantos lugares diferentes.

Assim ele se sentia completo, buscando suas partes, buscando a Felicidade e não via seu fim. Enxergava seu recomeço. Seu novo com o novo dia, um novo sol... Gostava de respirar novos ares, porque quando retornava ao seu lar – “seja onde fosse” – o ar lá também era outro, mais revigorante. Se bem que... Bem ele levava seu lar consigo. Fazia questão de se sentir bem em qualquer lugar, em um lugar qualquer... Era torto e misterioso. Sua própria linha solta no novelo fiado em uma velocidade particular. Gostava de se embrenhar no meio da vida e escrever no fundo da lama.

Tudo isso ele pensava. Na terceira pessoa de si. Em primeira pessoa... Tentava silenciar. Se fosse necessário passar um sopro suave ou uma gotícula do Lago da Paz, em qualquer um de seus orifícios, inclusive da pele, diria ser impossível. Vez ou outra, passava em sua mente alguns choques provocados por eletricidade estática, traduzidos em qualquer: descuido atolamos, rodamos, batemos... Preciso de firmeza... Precisava mesmo chover? Estava tenso, mas relaxado por se sentir capaz de deslizar firme pelo lamaçal do meio do mato onde se enfiara.

Então sorriu. Larga e fartamente. Preenchia todo o carro. Deixou de se sentir motorista profissional. Tinha certeza que deste meio sairia a chegada. Agora era passageiro. Ele e a Felicidade. Olhava pelo retrovisor e encarava para os traços abertos na lama compacta. Sua própria trilha o encarava de volta. Olhos nos olhos, ou seja lá a forma como uma trilha devolve um olhar firme e satisfeito. Aquela trilha por mais rodada que estivesse, até então era virgem para ele. Ambos fragmentos do mesmo fragmento. Era seu pedaço e ela era pedaço dele.

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