Som
fantasma (miniconto)
Por
Rafael Belo
20h30
Nenhuma saída. A estrada
nos empurrava sempre em frente. Ates os quilômetros se perderem e um brilho
vermelho aparecer. Do lado direito da rodovia o carro deu uma guinada, bateu
por baixo e voltou em uma estrada acidentada de terra. Esta terminava em um
motel. Jean Mirante pressionou o botão do interfone diversas vezes. Estava desconfiado.
Tudo parecia o mais completo deserto, mas ainda não era medo. A vontade de
parar e descansar estavam à frente.
Precisava dormir. Um som
irritante tilintava em sua mente o alertando para tal fato e a noite terminava
de cair naquele momento. No extenso horário de verão o dia sempre ia embora
suavemente, quase despercebido. Às 20h30 o “quase” transformava-se em “nada”. Então,
como um foragido em uma perseguição frenética, se enfiou naquele buraco, aliás,
ainda tentava. Poderia não ter conseguido...
Ninguém atendia o
interfone e Mirante alternava sua encarada de descrença entre o vidro parecendo
à escuridão e o estridente interfone. Pensava ser impossível um motel sem nome
iluminado, mal e acusatoriamente, mas iluminado, não ter viva alma. Engatou ré,
manobrou e começou a se distanciar. Ouviu um barulho de metal raspando e olhou
afetado por todos os retrovisores. O portão do motel abria lento como um cego
escalando se equipamentos.
Esperou que saísse um
carro ou alguém, mas ouviu algo parecido com uma voz e foi obrigado a virar a
cabeça até onde o pescoço permitia. Nada. Deixou o carro ligado desceu desconfiado,
mas rápido. Olhava para todos os lados. O portão se fechou como se fosse o
velocista Usain Bolt ou até mais rápido. Parecia que nem tinha se movido. Mesmo
assim voltou a tocar o interfone mais insistentemente que da primeira vez. O medo
se aproximava mais. Assustou quando finalmente uma voz distante e sem rosto
respondeu suas perguntas. Ficou com o quarto mais em conta e já se arrependia
ao voltar para o carro e desmanobrar para entrar.
21h
Com a chave em mãos
deixou a carro deslizar lentamente e percebeu que além de não existir ninguém
por ali seu quarto era o último. Ao descer com o medo nos olhos para fechar a
garagem... Havia uma sombra indefinida em uma parede ao longe. Forçou a vista,
agora com medo, como um túnel do tempo a sombra foi se definindo em um velho
vestido florido sem qualquer expressão e movimento. Estava encostada na parede.
Antes nada lá havia... Mas se sentia observado – pensando bem – desde que
jogara o carro naquela estradinha acidentada de terra. Agora toda a observação
se resumia aquela figura que de repente já não estava ali, mas a sensação
persistia. Estava sendo observado e com medo mediano.
Apesar do cansaço não
conseguiu dormir. Seu cubículo tinha um banheiro com vaso, pia e chuveiro. A cama
e o espelho eram do mesmo tamanho. Os lençóis estavam todos marcados assim como
o estofado da cama. Ele estendeu a toalha e deitou no chão. A cortina caiu com
estardalhaço. Ele procurou um banco e arrumou. Percebeu uma tevê bem antiga –
preto e branco - em um cofre vazado com grades. Achou um controle remoto sem
função. Usou o banco para subir, esticar os braços, ligá-la e tirar do sexo
explícito que pensava estar lá. Mas não. Eram imagens paradas da rua, garagens,
guarita e quartos vazios.
Só silencio e seu
coração querendo correr em pânico daquele lugar. Desejava freneticamente
qualquer tipo de ruído. Mas não. Silêncio enlouquecedor. De costas no chão
pensou em sair imediatamente, mas para onde? Melhor suportar mais algumas horas
até clarear... Só então percebeu o ventilador de teto, mas mesmo com mais de 30
graus, sua noite estava fria. O que não impediu do ventilador ligar e pendular
vagarosamente em um oito invisível. Tinha um ruído de tamborilar de dedos se
enervando. Ele pedia de volta o silêncio...
Pegou o celular. Nada funcionava.
Sem mensagens, ligações completadas, whats, quem dirá internet... E agora? !Deu um grito, se arrastou até
bater na parede. Os olhos arregalados e todo o corpo ofegante. Suava frio. Tudo
em resposta a uma invenção de metal cansado e enferrujado que girara na parede
e a aparecia, em seu lado recortado, com uma coca KS e um lanche desconhecido,
mas com deliciosa aparência e cheiro. Estava faminto e sabia que não deveria
comer, mas comeu. Alimentou seu corpo e sua mente se satisfez com o medo. Riu de
nervoso. Estava isolado.
22h – 4h
Começou a se sentir mal
quando o sono finalmente chegou. Deitou por pouco tempo arrepiando com o tamborilar
de dedos aumentando a velocidade vindo de todo o quarto. Como se a pressão
daquele cubículo caísse a cada investida do som fantasma. Procurou a luz pelo
interruptor. Desesperado já estava no banheiro enchendo a pia pela segunda vez.
Não cabia mais nada, então virou para o vazo. Três vezes. Desentupiu a pia com
aquele fedor do que havia comido há pouco. A mão remexendo, de dentro de uma
sacola, o rosto virado para evitar olhar e cheirar. Os olhos fechados
concentrados. Lavou a pia e as mãos. Escovou
os dentes e voltou ao chão e ao medo.
Nada de dormir o som
fantasma do ventilador aumentou. Depois de uma hora de paranoia a mente se
somou ao cansaço do corpo. Dormiu. Um frio infernal. Acordou assustado no meio
da madrugada. O som fantasma aumentara e se repetia sem intervalo. Em pânico e
com dor, Jean se encolheu. Percebeu que estava naquela cama contaminada. Havia um
brilho tênue no quarto. Um vultou avançou do espelho para ele e se dissolveu na
cama. Não se deu conta que ligara o celular e acendera a luz. Mas percebeu de
imediato que o silêncio que o apavorava no início voltava como uma carícia
desejada.
Um momentâneo silencio
pousado. Jean tremia sem controle. Soluçava. Chorava. Arrependia-se. O som
fantasma parecia nem ter parado. Tamborilava agitado, rápido e ofegante. Primeiro
vinha do ventilador, depois parecia a espreita em cada canto do quarto. A luz
se oscilava e celular também. Tudo se apagou, menos Jean que correu para o
banheiro. Todo aquele tamborilar tornou-se um sufocamento e um ranger como se
um grande peso estivesse suportado por partes que se arrastavam.
Ao sair do banheiro. A escuridão
se acumulava. Nada via, mas ouvia, com a carne e a alma, o tamborilar, o
arranhar e a respiração ofegante. Agora em seus ouvidos... Não esperou
amanhecer. Se jogou na porta daquele túnel do tempo até esta ceder. Deixou tudo
para trás. Seus pés sangravam, sua cabeça latejava e cada olhar era de um
desespero novo. O tamborilar, o arranhar e a respiração ofegante estavam com
Jean. Grudados em sua alma, cortando seus tímpanos.