O
Cuco Incucado (miniconto)
Por
Rafael Belo
Havia
alegria. Havia diversão. Mas havia também aquela sensação de ser a última vez. Entre
todas as levezas havia algo pesado, disfarçado e só ele percebia. Todos brilhavam
tanto a ponto de um incômodo percorrer em arrepio do peito ao estômago. Tudo ali
fora preparado para um falso bem-estar. Para uma falsificação de felicidade só
assistida além do horizonte.
Depois
de se divertirem muito durante todo o dia. Aliás, um dia longo e inalterado...
Era para escurecer, mas não. O sol continuava no mesmo lugar. Uma angústia
começou a dominá-lo. Ele via pessoas do seu passado. Não estavam mortas, mas
ele nunca mais as havia visto nem pensado. Ali seria o fim do nunca mais? Diabo!!
Por quê ninguém mais queria perceber esta loucura?!
Ele
se atrasou para pegar o transporte. Queria pensar o motivo de tanto
divertimento, onde estavam... Assim ficava para trás e parecia trazer todos
juntos, pois cada um dos incontáveis rostos ao redor o olhava e inclinava a
cabeça para esquerda e para a direita. Então a tentativa de pensamento se
interrompia. Viu todos entrar naquela espécie de coletivo hibrido. Foi o
último.
Ficou
em pé na parte externa. Viu duas figuras. Eram roqueiros das antigas. Com esforço
surgiu em sua mente dois apelidos. Tino e Dézão? Logo os nomes se embaçaram. Não
sabia. Conversavam sem ele perceber. O primeiro era o mais velho deles e ria
com vontade, contagiado. Dobrava-se com as mãos na barriga. Enquanto tentava
entender isso, talvez passasse uma hora sem sentido. Ele viu mais de uma vez o
mesmo lugar lá fora. Só ele olhava para as ruas... Em uma das incontáveis vezes
o transporte parou.
Era
um lugar chamado O Cuco Incucado. Pertencia ao mais velho dos dois roqueiros
antigos. Este disse: - Salvamos o ônibus.
Ele iria para “outro inferno”. Então gargalharam alto. Ônibus do inferno...
Todos desceram e entraram no Cuco Incucado como se precisassem se esconder lá
dentro. Menos ele.
-
Você não... Transporte errado jovem. Você
vai para casa, falou suavemente “o mais velho”, enquanto seu sorriso se
transformava em gargalhada e o jovem via as costas dele sumirem atrás da porta
do Cuco Incucado. Ele virou para o outro lado e começou a correr com uma
estranha sensação de carregar toneladas nas costas e ter engolido uma baleia “entalada”.
Mas corria leve e seguia para casa.
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