sexta-feira, fevereiro 07, 2014

O Cuco Incucado (miniconto)


O Cuco Incucado (miniconto)
Por Rafael Belo

Havia alegria. Havia diversão. Mas havia também aquela sensação de ser a última vez. Entre todas as levezas havia algo pesado, disfarçado e só ele percebia. Todos brilhavam tanto a ponto de um incômodo percorrer em arrepio do peito ao estômago. Tudo ali fora preparado para um falso bem-estar. Para uma falsificação de felicidade só assistida além do horizonte.

Depois de se divertirem muito durante todo o dia. Aliás, um dia longo e inalterado... Era para escurecer, mas não. O sol continuava no mesmo lugar. Uma angústia começou a dominá-lo. Ele via pessoas do seu passado. Não estavam mortas, mas ele nunca mais as havia visto nem pensado. Ali seria o fim do nunca mais? Diabo!! Por quê ninguém mais queria perceber esta loucura?!

Ele se atrasou para pegar o transporte. Queria pensar o motivo de tanto divertimento, onde estavam... Assim ficava para trás e parecia trazer todos juntos, pois cada um dos incontáveis rostos ao redor o olhava e inclinava a cabeça para esquerda e para a direita. Então a tentativa de pensamento se interrompia. Viu todos entrar naquela espécie de coletivo hibrido. Foi o último.

Ficou em pé na parte externa. Viu duas figuras. Eram roqueiros das antigas. Com esforço surgiu em sua mente dois apelidos. Tino e Dézão? Logo os nomes se embaçaram. Não sabia. Conversavam sem ele perceber. O primeiro era o mais velho deles e ria com vontade, contagiado. Dobrava-se com as mãos na barriga. Enquanto tentava entender isso, talvez passasse uma hora sem sentido. Ele viu mais de uma vez o mesmo lugar lá fora. Só ele olhava para as ruas... Em uma das incontáveis vezes o transporte parou.

Era um lugar chamado O Cuco Incucado. Pertencia ao mais velho dos dois roqueiros antigos. Este disse: - Salvamos o ônibus. Ele iria para “outro inferno”. Então gargalharam alto. Ônibus do inferno... Todos desceram e entraram no Cuco Incucado como se precisassem se esconder lá dentro. Menos ele.

- Você não... Transporte errado jovem. Você vai para casa, falou suavemente “o mais velho”, enquanto seu sorriso se transformava em gargalhada e o jovem via as costas dele sumirem atrás da porta do Cuco Incucado. Ele virou para o outro lado e começou a correr com uma estranha sensação de carregar toneladas nas costas e ter engolido uma baleia “entalada”. Mas corria leve e seguia para casa.

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