quarta-feira, fevereiro 19, 2014

Todo dia (miniconto)



Todo dia (miniconto)
por Rafael Belo

Não era nada como o lar dela. Nada de bater os calcanhares, protegidos com os sapatinhos de rubis três vezes, e voltar para casa. Nem ela era Dorothy. Não estava em Kansas nem em Oz. Era apenas uma criança. Uma criança perdida. E por mais que neste 2014 não se considera 12 anos adolescente, quanto mais criança, muitas pessoas não crescem jamais, mesmo com todo o tipo de atitudes ousadas... Mas psicólogos apostariam os diplomas, estas serem as mais perdidas e assustadas. Com ela havia muito choro e ranger de dentes no momento, principalmente confusão. Uma grande confusão.

Glenda (ah, este é o nome da nossa personagem) estava tonta, e apesar de infantil, este era um estado provocado por um tijolo, portanto, não era permanente. O tijolo caiu quando ela desafiou a superstição da escada e passou debaixo da escada. Então, aquele pedaço amarelo escapou das mãos do pedreiro e tonteou Glenda. Glenda desabou na ladeira e rolou para longe das vistas de todos. A estrada de tijolos amarelos estava tão longe quanto uma espiral da autoevolução. Por isso, tudo ainda girava aos olhos dela como uma embriaguez sem fim.

Ninguém percebeu o sumiço de Glenda. Era sozinha. Vinha de uma família de acidentes sexuais e uma descrença no aborto. Era a última solitária da linhagem. Nem mesmo o pedreiro percebeu. Seu tijolo amarelo caiu. Não houve som de grito, de dor, de pancada... Ele olhou para baixo viu o amarelo tijolo partido em vários pedaços. Saiu da escada para o andaime e pegou um novo tijolo amarelo. Seguiu construindo e esqueceu aquela distração. Seguiu adiante.  Enquanto Glenda não. Estava tentando sentar. Queria pensar em algo mais doía. Precisava descobrir se tinha um caminho a seguir.


Talvez ela nunca descobrisse. Toda jornada leva para nós mesmo. Um crescimento espiritual tijolo por tijolo e cada um de uma cor. Mas, Glenda não tem talvez, nem a vida. Ela não teria esta jornada. Foi só uma pancada. Ela nem ia se lembrar. Nem iam se lembrar dela. Ela não era marcante e agora com o sangue escorrendo quente e viscoso, tinha certeza da continuidade. Mesmo dela. Mas, assim... Esquecida. Glenda ainda ficaria muitas horas por ali. A manhã terminaria, a tarde chegaria ao fim e lá pelo meio da noite, ela se arrastaria até em casa. Para o dia e o tempo, era mais uma peça indiferente. Mesmo com toda a literatura e o ego insistindo em contrariá-los.

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