por Rafael Belo
Chovem cinzas
compulsivas nesta quarta-feira. A beira de um abismo balança, desequilibra,
embaça a vista e engole a cidade de ressaca. Parecer ser inteira, mas é de gole
em gole até a virada. Não há mais desculpas nem nada. Pela primeira vez se
ouviu pouco o “fato” do ano começar depois do carnaval, mas o dizem. Neste dia
pela metade não há verdades. Não há meios e aqui, ela e ele, deixaram de tentar
ser inteiros. No mais alto ponto paulistano, eles jogaram os panos. Vão cumprir
o pacto.
O ato no antigo Mirante
do Vale, na avenida Prestes Maia, hoje chamado de Palácio Waldomiro Zarzur era
o número deles. Eles estavam a 170 metros do chão, prestando atenção e, às
vezes, balançando os pés. Até pensaram no famoso Edifício Itália, mas dois
metros os fizeram mudar de opinião. Além disso, eles eram as sobras da Geração
X. Talvez os únicos vivos a saberem do segundo incêndio mas fatal depois do
histórico ocorrido no Edifício Joelma. O Palácio Zarzor Kogan, primeiro nome do
Mirante, ainda chamuscava neles.
Fizeram suas juras de
Amor e indignação naquele ponto mais alto, mas o tamanho já não era o mesmo. Nos
anos 1970 havia mais andares e eles estavam no último. Não havia terraço na
época. Eles sobreviveram e ninguém vivo mais (talvez) saiba desta história. Estava
queimado na pele o pacto feito por lá e eles cumpririam. Para eles nunca houve
morada fixa, muito menos física. Eles estavam um no outro como as cinzas
lembranças deste dia.
Agora com todos os
panos descendo lentamente naquele vendaval anunciando mais tempestades
brasileiras, eles tremiam. Estavam nus e percorreriam a cidade enquanto a
ressaca ocupava até os policiais mais honestos. Não queriam chorar, a vontade
era apenas provar que a hipocrisia tirava a fantasia e se escancarava novamente
depois do carnaval. E no terraço do mundo deles eram dois pássaros em um. Há muito
estavam voando. Aquelas únicas almas duplas queriam ensinar a voar. Só nas
asas, não haviam penas. Não havia nada que os cobrisse ou escondesse. Não mais.
_____________________________________________________________________
Nenhum comentário:
Postar um comentário