sexta-feira, fevereiro 27, 2015

Próximo papel, por favor (conto)


por Rafael Belo

Em vão as cortinas se fecharam como um raio estourando no vil metal. Fulminante. Figurino bestial da nudez arrepiada em cada olhar glacial. Não era o esperado pelo público. Este deixou de ser respeitável há tempos, por isso quem riu fui eu. Logo depois de cessarem as gargalhadas. Estas subitamente viraram gritos e outras reações de susto. Valeu o custo? Cada centavo... Imediatamente o alvoroço ia e vinha feito musgo dominante. Solução hilariante no momento. Quem estava se divertindo então?!

Foi a solução para tanto estardalhaço das ilusões lá de fora. A vida já não é e ponto. Como não rir com pessoas deslizando, escorregando, se atropelando... Plena comoção. O ápice do teatro. Quero ver quem fica stand-up... Palavras erradas, entonações erradas, expressões erradas, gestos errados, o corpo errado... Enfim... O fim da interpretação... Ainda bem que todas as ações caíram pelo mundo e os preços subiram comprometendo até as próximas cenas do não escrito.

Afinal criar bolhas dentro de bolhas dentro de bolhas... É vistoso, artístico, habilidoso, mas quando estoura a inflação é geral, ou melhor, a inflamação. São encenações atrás de encenações no meio de encenações no fim de encenações que se iniciam ao primeiro despertar, mesmo se ainda estiver dormindo. As tais das intenções sorrateiras, disfarçadas de pãezinhos quentinho da manhã, do aroma salivante do cafezinho recém passado deixa os desavisados, todos nós, em estado de eufórica mudança até a noite chegar e o teto nos encarar... Já foi mais um dia.

Próximo papel, por favor. Saiam todos! Encerrem a cena. Sem direção, ator principal nem figurante. Vamos criar neste instante. É tudo improvisação. Pode se atentar. O teatro agora é a realidade e a realidade vai começar um velho novo espetáculo. Ainda vamos descobrir isso. Ah, vamos! Descobriremos que é preciso tirar qualquer nitidez para enxergar além do talvez e que a lucidez pode não ser tão lúcida assim. Lá fora é tudo mentira, a vida é aqui neste palco e parece que o público entendeu os atos, fez seu teste e vai pedir que não passe de uma trilogia, pois o enredo e os atores estão tão ruins que assumirão eles mesmos os papéis. Assim que conseguirem entrar no personagem...

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