por Rafael Belo
Havia desolação, ódio e vazio naqueles olhos. Mas, aqueles olhos não eram
de um estranho a temer na rua. Era sim um desconhecido e ele era eu. Sou eu...
O que sobrou de mim, o que eu me tornei... Não há respiração funda nem contagem
regressiva que me contenha. Seja lá onde você estiver, desaprovaria. Tornei-me uma
justiceira e se nossa menininha estiver por perto, jamais mostre esta carta
antiquada a ela. Você agiria diferente, bebê? Se você estivesse ao volante, ao invés
de mim, e eu estivesse morta, não você e se nossa filha terminasse...
Terminasse... Esmagada sem jamais poder crescer aos nossos olhos? Talvez fizesse
pior porque o vingativo era você não eu...!
O que mais eu poderia fazer? Ela era nossa vizinha. Vivia em casa, apesar
de ter tanto dinheiro... Este foi o deus pequeno da salvação mesquinha dela. O
dinheiro. Tinham testemunhas, ela estava bêbada... Nem era madrugada ainda... A
comoção popular e midiática acabou logo. Fiquei sozinha. Esqueceram depois de
outro crime brutal no trânsito... Sumiram provas, vídeos, quaisquer coisas
relacionadas... Não consegui apelar no tribunal e como é o tempo por aí? Ele passa devagar e
arrasta correntes como aqui? Ele dói sem parar? Não acredito já terem passado
cinco anos... Foi tudo um borrão. Se por acaso você recebesse esta carta...
A ideia mais estúpida que esta vaca já teve. Queria me denunciar quando
disse que “dei um jeito na vizinha” e em todo mundo envolvido... Eu sabia, ela
não disse nada, mas tinha todos os indícios. Não era do tipo ética, não...
Provavelmente iria querer se promover com minha história... Enfim, esta
injustiça não ficaria impune. O que eu poderia esperar de uma psicóloga com uma
ideia tão antiquada... Será que ficou com medo de se tornar cúmplice se eu
fizesse em algum meio digital? Se sim, até que não era tão burra... Bom, agora
não posso perguntar mais. Ninguém pode...
Posso até estar fazendo o mal, mas e o mal que me fizeram? Não foi nada
bom. Fez eu me revelar uma pessoa ruim? Só queria me sentir bem e fazer cada um
dos envolvidos pagarem. Você deve estar se perguntando se eu durmo bem agora e
eu posso afirmar que não importa. Ninguém vai sequer dormir enquanto não derem
um resolução para tudo que houve comigo, com a gente, conosco... Bem, meu bem,
você está morto, nem sequer pode opinar. No final, aquela vaca nem era tão estúpida
assim... Vou levar este divã para casa porque quando fizerem o mesmo que eu
fiz... Quando fizerem justiça comigo eu vou fazer de tudo para ter você de
volta. por enquanto, vou para aqueles trilhos só nossos.
ps: parece que me tornei uma incendiária também e estas palavras devem
chegar até você via fumaça. xo xo