sexta-feira, abril 12, 2013

Miniconto - Tudo mais



Miniconto - Tudo mais
por Rafael Belo

Pequeno Gafanhoto acordara certo dia envolto por uma nuvem de verdadeiros gafanhotos e todos os demais verdes se foram. Público, privado, pessoal, coletivo, vivo ou morto tudo que podia ser procurado foi devorado. Nem mesmo ele havia percebido o significado daquela nuvem. Há tempos ele enxergou os gafanhotos separados. Bem, não haviam ainda se desenvolvido. Eram duas larvinhas e diversas metamorfoses solitárias depois sim, gafanhotos. Um macho e uma fêmea. Solitários por natureza como Pequeno Gafanhoto e mesmo assim agora eram aquela nuvem.

A nuvem imprevisível, e ainda inexplicável em cada uma de suas manifestações, acabou por levá-lo. Ele pensava naquele fato incomum com tanta força que os mais mentirosos juram que havia fumaça naquele vivo fogo verde. - Como tanta coisa pessoal ficou coletiva? Que força da natureza é essa que nem a natureza explica? E o mais importante: o quê eu estou fazendo aqui?! Um monte de solitários antisociais devorando pedaço por pedaço até das sombras como avestruzes e emas (bom tanto faz já que engolem tudo e tem a mesma origem) só que voadoras.

Será que vou mudar de cinco a seis vezes? Não. Um ser humano sofre metamorfoses pela vida toda... Um ano de vida...? Improvável. Mas não sou profeta. Vegetariano? Incapaz... Morreria em menos de 12 meses. Espera um pouco, que calor infernal é esse? E esse murmúrio como uma chuva de ventos cercando...? Pior é não enxergar nada além desta fumaça verde viva  e me sentir devorado. Se eu abrir a boca vou engolir... O quê? Milhares de gafanhotos? Seria como me alimentar deles desde o início da culinária chinesa, há mais de quatro mil anos e isso não significaria nada.

A língua afiada do inconsciente coletivo devorou o senso comum e uma multidão cheia de armas, principalmente medievais tochas, tentava encontrar uma maneira de incendiar aquela fumaça viva verde e nem isso interrompeu a filosofia mental do Pequeno Gafanhoto, que além do mais era incapaz de ouvir algo além do farfalhar de milhares de asas, mas mesmo assim ouvia murmúrios, vestígios distantes do pandemônio formado. Enfurecidas, nuvem e multidão, se atracaram e mal começaram a chafurdar, um helicóptero passou fazendo uma chuva de algum líquido inflamável. Em poucos instantes pensamentos e farfalhares eram reais fumaças, gritos e ódio eram cinzas, todo campo e floresta eram devastação.

Tudo mais era uma mistura de estralados silêncios.

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