Pessoal (miniconto)
por Rafael Belo
Ele não achava que os dias
entristeciam. Não existem dias tristes. Pessoas são tristes. Mesmo porque como
uma segunda cinzenta termina em uma sexta quente e ensolarada? Falando só de
dias letivos porque os fins de semanas deveriam ser felizes liberdades... Mas
um segundo depois já estava em outro contexto e ele era uma pessoa triste. Queria
dias tristes também porque solidão é aquela chuva no deserto vazio onde nada
vive e mesmo antes de cair na área escaldante, evapora. Foi na distração
imperceptível que percebeu o quanto perdeu e estava ali caindo neste deserto. Era
lágrima.
Um monocromata por decisão. Só enxergava
preto e branco. Nem aquela grande área cinza entre o começo e o fim ele via. Mas
tudo começou com um pouco de daltonismo até, enfim, descolorir. Hoje ele era um
ser humano, mas estava escrito em sua camisa: este não é um ser humano. Então, se estava escrito... Ele nem mais representava a espécie. Não pensava...
Seu cérebro só emitia estímulos básicos e se alimentava dos instintos mais característicos:
fome, medo, agressividade e sexualidade. Vivia mastigando e bebendo. Seguia caçando
o sexo oposto e agredindo quem invadia seu território. Seu território? Tudo que
era próximo dele.
Ele sabia falar e falava. Manifestava-se
nas horas indevidas, dava opiniões sem conteúdo, discutia sem argumento e tinha
até casa, mas ninguém sabia como, onde e se
trabalhava. Como dito, não pensava, mas no sentido de refletir... Certa vez,
sumiu por cinco anos, apareceu em um extremo do país e dizia ter sobrevivido na
selva com os pais. Na verdade ele era uma imagem inventada desde sua visão
monocromática... Era só isso. Uma imagem sem qualquer significado.
Faltava-lhe caráter e todos os
outros valores. Vivia atuando para o espelho como uma mistura pós-moderna de todos
os vazios e desconstruções. Ele era um dia ruim de sete dias. Um fingidor
dolorido escalando um abismo, pasmo por ser escalado. Chorava seu próprio mar
vermelho e era só isso que caia dele. Ele era um jovem sem idade. Fugiu de
casa, matou os pais e roubava para sobreviver. Invertia esta ordem. Às vezes
sobrevivia roubando primeiro. Outras matando os pais, mas fugir de casa acabava
não entrando em ordem nenhuma. Era seu caos pessoal. Nunca se sentiu em casa.
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