sexta-feira, outubro 24, 2014

Retrovisores quebrados (miniconto) – Rafael Belo


A cachorra deles só observava com a humildade de quem sabe o que vê. Sem falar sem latir, impedida de aquilo expelir. Havia uma dor subindo em seu peito, dela não da cadela, e pelo jeito do outro sujeito, ele também a tinha. Nenhum andava na linha ali. Ela não era ele, ele não era ela, eram no máximo estilhaços amargos de uma antiga janela. Ainda desta forma, a “reforma” não impedia... Faltava ar... Era uma ausência de espaço. Corria um abafado mormaço, mas não se admitia o ir e vir percorrer a possibilidade de não existir rancor. 

Sonhador... Sonhadores... ambos olham pelos retrovisores sem querer deixar nada para lá. Deixados para trás, simultaneamente, sorrateiramente destorcem os braços torcidos e todo argumento distorcido é devolvido no momento desenvolvido para patinar, para permanecer sem continuar.  A cachorra deles estava atenta como se tivesse algo a dizer, prestes a contar.

Vai prevalecer um gosto de cru fígado da boca a face, disfarce imposto retroativo cobrando devagar as rugas e o tempo onde a pouco nem o existir existia, aonde a cachorra deles ficava com o olhar fixo esperando para mostrar conhecimento, mas resistia. Um ou outro, à revelia, substituía a brancura do rosto pelo envergonhado corado... Insistia em se pintar além do devia e o fazia.


A cachorra deles só olhava como quem dizia estou com vocês e para não se perder também se doloria, a dor dividia o passado em nostalgia enquanto doía ainda e aquilo subia, porém, se repartia para espalhar. Eles dividiam o peso e tentavam não ter desprezo pelo bocejo que a vida lhes dava. De repente chovia e ambos queriam se molhar. Foram para chuva sem parar. Quebraram os retrovisores, mas sempre havia os defensores do caco ajudando para trás olhar.

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