Taticamente tudo tingiu-se
de amarelo. Um onírico gótico perdido paralelamente pelo passado, trouxe
detalhadamente a ambientação para um olhar amarelado. Ao invés de rostos
máscaras escondendo algum tipo de doença ruminando a alma e o cérebro, tornando
todo o mais do corpo mera carne. Se a corrupção tivesse uma cor certamente
seria amarela e estaríamos, pelos clínicos olhares médicos, em quarentena. Amarelo
é atenção e indício de algo errado, de veneno no reino animal e passando do ponto,
principalmente se tiver um tom passado de mostarda apontando para um degrade terminado
em início de preto. Desta forma há inúmeros Reis de Amarelo à solta por aqui.
Dificilmente tudo
termina em apenas um significado, portanto o amarelo aqui reinante não é luz, alegria,
descontração, otimismo, calor... Todos estes adjetivos não reinam na totalidade
dos significados. É claro, de clareza, que transita pelo branco da pureza
apenas por sonho. Do latim hispânico amarellus
que é diminutivo de amãrus significando
amargo, também está ligada a discórdia. Sua origem é do liquido do fígado, a bile,
que digere as gorduras. Aliás, a digestão
do clássico O Rei de Amarelo é atenuante. Está tudo sutilmente e explicitamente
ligado. Sem contradição. Há uma corrupção ativa perante a passividade dos
personagens até diante do desejo da pureza.
Covardia, traição,
doença, ciúmes, medo indecisão, retrocessos... Todos os semáforos do mundo
latejam o amarelo. As cabeças coroadas
beiram a loucura pela manutenção de tanto poder e o fígado faz seu papel e
corrompe em todos seus sentidos e significados: tornar podre, estragar, decompor, alterar, adulterar, perverter,
depravar, viciar, subornar, peitar, comprar. Se perguntarem-se quais as
cores mais utilizadas pelos protagonistas pintores e pretensos do livro O Rei
de Amarelo, esta seria a cor amarela... Respingada em todos os enredos...
Tão profundamente
continuando a mesma história em dez contos arrepiando as palavras e deixando
cair pelo demais do madurecer, nos tornando durante a leitura, aquele ambiente
onírico gótico norte-americano afrancesado com um sorriso a amarelar, em todos
os tons pasteis possíveis. No fim, como óculos postos perante um sociedade
repetitiva, nos permitindo enxergar o quanto este pesadelo é real, o tanto da
ficção tateando o sobrenatural ignorante do nosso dia-a-dia... Porque o “não
saber” e o “ouvir falar” arrepia tanto a nunca quanto a queda brusca da
temperatura deste terror cósmico nos empurrando em quarentena. Só precisamos
descobrir se desejamos ir para esta direção.
O Rei de Amarelo, de Richard W. Chambers
Obra-prima de Robert W. Chambers, O
Rei de Amarelo é uma
coletânea de dez contos de literatura gótica publicada originalmente em 1895 e
considerada um marco do gênero. Influenciou diversas gerações de escritores, de
H. P. Lovecraft a Neil Gaiman, Stephen King e, mais recentemente, o escritor,
produtor e roteirista Nic Pizzolatto, criador da série investigativa True
Detective, exibida pela HBO, cujo mistério central faz referência ao
obscuro Rei de Amarelo.
O título faz alusão a um livro dentro
do livro — mais precisamente, a uma peça teatral fictícia — e a seu personagem
central, uma figura sobrenatural cuja existência extrapola as páginas. A peça O
Rei de Amarelo é
mencionada em quatro dos contos, mas pouco se conhece de seu conteúdo. É certo
apenas que o texto, em dois atos, leva o leitor à loucura, condenando sua alma
à perdição. Um risco a que alguns aceitam se submeter, dado o caráter único da
obra, um misto irresistível de beleza e decadência.
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