sábado, junho 15, 2013

(Miniconto) Invasores

(Miniconto) Invasores
por Rafael Belo

Estava tudo vazio e destruído. Vestígios de uma guerra declarada. Haviam algumas brasas espalhadas por diversos pontos e uma leve brisa começou as espalhar as cinzas. Distantes daquelas ruínas modernas dois grupos falavam de terras, propriedades, um de frente para o outro. Se um viajante do passado ou do futuro surgisse certamente duvidaria ter se deslocado pelo tempo. Poderia muito bem estar há 500, mil ou três mil anos ou então ter avançado para daqui a 600, 1,2 mil ou cinco mil anos.

Aos poucos o vento imperceptivelmente aumentava e o fogo falso morto se atiçou. As brasas já eram um incontrolável incêndio. Os gritos dos grupos eram tão fortes a ponto de abafar aquele consumo desenfreado do fogo. Aquele conflito sem fim entre os eternos colonizadores e colonizados não permitiu ninguém perceber o cerco do perigo. Quando o ar se esvaiu e as tosses dominaram os grupos. O fogo mandava, habitava e terminava de destruir aquelas terras.

Em poucos minutos todos pareciam iguais. Suor e cinzas eram a cor da pele, o tipo de cabelo e a cor dos olhos. Respirar era necessário, mas queimava como se o ar fosse fogo. A pele ardia como se o suor fosse álcool. De súbito todos começaram a se mover lentamente. Tiraram as camisas, aqueles que as usavam. Tiraram as calças e sincronicamente chegaram até um antigo poço ao lado de um depósito de pedras feito à mão. Não tinham muito tempo.

Silenciosamente se molharam, molharam os panos que rasgavam e enrolavam na cabeça deixando apenas os olhos de fora. Enquanto outro grupo pegava a ferramenta que encontrava e sulcava o chão sentindo os pêlos expostos queimarem. Durante horas de desmaios e chacolejos para despertar, água e terra eram atiradas ao fogo que lutou muito, mas não resistiu.


Feito o trabalho, cada um tentou "desmisturar" do outro grupo. Estavam exaustos. Não conseguiram a proeza. Ao invés disso, foram cedendo ao cansaço e caíram como estavam. Acordaram com gritos de ordem e papéis de ordem judicial de desocupação. Não se sabe aonde arrumaram tantos camburões. Mas, couberam todos. Todos misturados, sem documentos e sem argumentos de que não eram invasores. Eram só suor e cinza. Eram apenas invasores e estavam encarcerados.

quinta-feira, junho 13, 2013

Plural

Plural


Sem asas a terra voa de mão em mão
como se a imaginação lenvantasse e o sonho se alimentasse um pouquinho
como se o umbigo mudasse para um lugar tão diferente e pertinho

ninho de quem chegar e plantar a força
na terra-moça até então

antiga paixão pela interminável extensão do conflito
grito de poeira acumulada por toda a estrada do caminho

cheio de olhos, provisórios senhores do destino percorrido

sentados na beira, improvisado meio da limitação
pintando de guerra com carinho a situação de quem quer mais do que estar sozinho.


Às 17h50, Rafael Belo, quarta-feira, 12 de junho de 2013.

terça-feira, junho 11, 2013

O Mártir Indígena

O Mártir Indígena
por Rafael Belo
Mártires sempre foram as formas mais fáceis de promover uma causa e a morte do índio Terena Oziel Gabriel, o guerreiro, deixou isso mais evidente. Desde Corpus Christi, ou seja, há 12 dias (13 se contarmos a data do falecimento e sem referências partidárias...) os termos conflito, demarcação de terra, índio, Terena e Mato Grosso do Sul estão abrindo as chamadas dos telejornais do Brasil. Para “melhorar” o primo de Oziel, Josiel Gabriel, um ano mais novo com 34 anos, foi baleado nas costas. Ficou paralítico. Confusão generalizada. Primo morto e primo debilitado. Confundidos desde a cobertura local, quem dirá nacional sem nem falar da internacional. Mas é uma complicação simples de entender (por serem palavras quase homófonas).

Hoje são suítes (um retorno a origem do tema – invasão da Fazenda Buriti, morte na tentativa de desocupação, mais invasões, até o presente e futuro), mas novos fatos surgem diariamente com estopim motivador: pelo guerreiro morto, pelo índio debilitado. É sempre depois da morte que alguma ação mais contundente começa a se desencadear. Passados sete dias da morte – contado com o dia fatal – o ministro bem mandado voador da Justiça, José Eduardo Cardozo, chegou. Seja por desconversa com os indígenas ou pela chegada da tropa da Força Nacional, ou pelo vale-não vale, obedece-não obedece a ordem judicial, a Fazenda que foi a pólvora da explosão reocupada Buriti, amanheceu vazia. Mas ainda segue a diáspora do gado da região...

A tropa da Força Nacional assustou inicialmente e depois conversou, ponderou, permanece mesmo como garantia e "reconhecendo o território". E o que ficou vazio voltou a se preencher... As justificativas são as primeiras a surgirem com o mea culpa longe de acontecer, afinal foi um conflito da velha tragédia anunciada entre índios bem armados, capacitados e policiais estaduais, especiais e federais desarmados e desprotegidos. Até a cega Justiça já sabia do sonho premonitório do Mártir Indígena... Reintegração de posse (posso?) ou demarcação de terra? Em início de corrida eleitoral, ninguém quer se manifestar definitivamente sobre a ferida pré-Américo Vespúcio, que mesmo chegando depois de Colombo teve seu nome batizado na nossa América, era um grande mentiroso... Ou politicamente falando, exagerado.

Todos procuram uma solução que não afete ou se atrele a sua imagem aí em 2014. O ano eleitoral onde Oziel Gabriel, o guerreiro, será tão citado diante do palco tão montado e divulgado do conflito entre polícia e índios. Só que o palco é entre proprietários de terra e os tutelados da União. Claro, que proprietários pode ser lido como políticos ou vinculados com. O guerreiro morto exaltado, teve sua finalidade de unir a massa mais manobrada desde sempre. As palavras do cacique da aldeia Córrego do Meio, Antônio Aparecido Jorge, foram as mais pontuais e que junto ao mártir entrará para a história: “Para desenrolar um processo levam décadas, mas para surrar indígenas é questão de segundos. Mataram o corpo, mas não mataram nosso pensamento.

O problema é saber qual é esse pensamento. Depois de quatro dias de espera para o enterro, o corpo se foi, a idade ficou parada naquele corpo de 35 anos, mas esse pensamento desconhecido segue e o morto vive junto às justificativas das novas invasões e ao “confundido” primo paralítico. As manifestações apenas começaram e vem em caminhada acumulando outras vozes alteradas. Mas, a ingenuidade de quem está no poder é ensaiada com a nossa que pensamos: “finalmente a União agirá”. Fingindo não saber que a reunião só aconteceu depois da invasão indígena à sede do PT no Paraná. Foi totalmente sem pressão.


Vamos voltar ao pensamento coletivo que deduzimos ser respeito, o mínimo de condição de viver e o direito à terra como todos nós o temos, mas não somos todos tutelados... Os Terena recebem agora apoio de todos os índios que tiveram conhecimento de seu mais novo mártir, - além do Movimento Sem Terra (MST) e dos que assumiram ser indígenas e dos indignados e ... - ele uniu as tantas tribos desunidas. O índio percebeu a força que tem,rasgou o desafio da Justiça em forma de mandado e o transformou em um grito de guerra. O medo do colonizador voltou depois de mais de 500 anos e ainda não se sabe quem veio primeiro: a terra ou o índio...!? (Deve ter sido a política...!).

sábado, junho 08, 2013

(Miniconto) Bola do mundo


(Miniconto) Bola do mundo
por Rafael Belo

De um dia para o outro o mundo mudou. A bola que já mandava no mundo virou a bola do mundo. Os pés descalços foram calçados de chuteiras. Todos as vestiam. A pátria de chuteiras era literal. A bola era o mundo. A conclusão era lógica. Se o futebol movimentava mais de R$16 bilhões por ano só no Brasil e apenas em ano de Copa mais de R$ 183 bilhões, com o restante do planeta somavam mais de trilhões e trilhões, então decidiram pegar os dirigentes e agentes do time e jogadores da equipe mais rica do mundo e, bem, o mundo mudou.

Toda instituição tinha seus técnicos profissionais e faziam peneiras para campeonatos menores que valiam vagas para médios, que por sua vez premiava os melhores com lugares garantidos nas maiores competições. O ano todo e todos os dias eram jogos. Só a programação esportiva tinha espaço e ninguém lembrava mais como tudo havia começado e qual era a origem daquela votação contínua nos mesmos dirigentes do mundo.

Os leilões eram acompanhados desde o ventre. Quando nascia o garoto ou garota já recebia todo o uniforme que só aumentaria de tamanho ao longo dos anos. As pequenas, grande e médias almas eram vendidas quando bem seus agentes/empresários/pais quisessem e para quem desce o maior lance a qualquer momento durante qualquer competição. Desfalcavam times que desfalcavam times que desfalcavam times... Pessoas desapareciam como bola chutada para o mato...


Mas, como nenhuma bola é uma esfera perfeita. A bola murcha começou a ameaçar acontecer. Um belo dia a bola do mundo realmente murchou. A bola que era o mundo não entraria mais em campo (nem em quadra). Uma bola bomba inicial começou a explodir diversas bolas bombas por toda parte. A maior bomba bola ficava na parte central da sede dos dirigentes. Todo o mundo deixou de ser redondo e se fragmentou em diversos octágonos. A bola fria foi para o octógono. Era o fim da era do mundo da bola.

quinta-feira, junho 06, 2013

Água dobrada

Água dobrada



Pés descalços raspam o asfalto
chutam o vento e o futuro falso
no encalço das chuteiras distantes
chupam pedras nas favelas de onde não as há,

antes de brincar, diante da educação que insiste em ser má,

leiloa a fé para quem lhe der um pouco mais que pão,
clama atenção durante a tensão sincera de ser favela mesmo com mais de milhão,

mas erra quem pensa a favela ser social, é a situação desigual de ser formatado
sem olhar para qualquer lado, em direção ao dinheiro superestimado, dilatado nos olhos dos cegos que veem.


(às 20h29, Rafael Belo, quarta-feira, 5 de junho de 2013).

terça-feira, junho 04, 2013

Chuteiras milionárias e pés descalços

Chuteiras milionárias e pés descalços
por Rafael Belo

Gosto de futebol como a maioria do mundo. Gosto. Não sou fanático. Divirto-me. Torço. Pronto. Ponto. Acho “louvável” o investimento em escolas de futebol responsáveis por futuros "craques" padrões. Estas ajudam a desenvolver outras habilidades em nossa juventude para futuramente importarmos para outros clubes e exportamos para outros países. O velho novo sonho americano...

A maior movimentação monetária de exportação brasileira. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, o Brasil "fatura" mais de R$ 16 bilhões por ano com o futebol. A exportação dos futebolistas no século XXI já  passou dos 440 milhões de dólares, tendo 30 milhões de praticantes, 800 clubes profissionais, 13 mil times e 11 mil jogadores federados. É a indústria do futebol e os craques vivendo da bola.

Que país é esse?! Começo a lembrar desta música principalmente, depois dos últimos filmes sobre Renato Russo e sua Legião Urbana, dos últimos versosquando vendermos todas as almas dos nossos índios em um leilão... Enquanto isso, os conflitos de demarcações de terra seguem e Mato Grosso do Sul está há uma semana nos noticiários sem ser confundido... Sem ninguém precisar jogar mapas e gritar Do SUL... Os leilões seguem e quem pagar mais tem mais razões e os direitos vendidos ou comprados. Quem dá mais?


É o negócio da vida é a vida dos negócios. E o amor por time de jogador acaba de (re)nascer desde criancinha junto com toda a família... Bom seria se cada chuteira milionária vestisse tantos pés descalços, investisse na própria educação - a validade da idade aumentou, mas ainda termina aos 40 - e depois na educação casada com as incontáveis escolinhas de futebol. Então a pátria poderá continuar de chuteiras, mas terá um lugar para viver e um diploma para começar a prosperar.

sábado, junho 01, 2013

(Miniconto) Borboletas mortas


(Miniconto) Borboletas mortas

por Rafael Belo
O corpo inteiro coçava e ele se sentia preso, ali naquele nó na voz. Aquele nó na garganta. Aquela ânsia aprisionada e tudo coçava. Sentia que vomitaria palavras e imagens guardadas na mente. Sua pele toda pinicava como se ao invés do ar o cercando e o afogando fosse um gramado com formigas nervosas e “picantes”. Suas energia e paciência esgotaram-se naquele nó. Lá.

Sua mente não estava lá. Ele só percebeu ao estacionar o carro. Era como se tivesse passado por todos os fusos do planeta e não só se adaptasse a cada um, mas os trouxesse dentro de si. Pegou sua maleta. Ligou o alarme, 200 metros depois ouviu o disparo. Não era um disparo qualquer. Era o primeiro disparo. Não daquele dia, mas desde que o havia instalado. Ressoou insistente. Voltou. Desligou. Olhou. Nada viu. No segundo já estava a mais de 700 metros. Deu a volta toda no carro. Abriu a porta. Tirou o som e o guardou no porta-luvas. Fechou a porta. Ligou o alarme. Esperou. Foi.

Durante o escândalo do terceiro disparo já estava do outro lado do estacionamento. Voltou. Examinou tudo. Portas. Bagageiro. Fiação... Satisfeito, fechou, ligou mais uma vez. Esperou mais. Foi-se. No meio do caminho retornou. Não houve nem pressentimento de disparo. Abriu a porta do carro novamente, levantou o banco do motorista e pegou seu principal instrumento de trabalho. Não se surpreendeu quando chegou ao andar de seu serviço e o viu destruído. Nada disse. Ficou em silêncio. ERA dia de silêncio.

De volta para casa, pensava no caminho sobre o tempo. Ainda ventava como há dias. Estava assim: muito forte. Não era só vento de poeira e chacoalhar das árvores... – Há mais. Eu sinto. É um aviso...!

 Algo sem proporções está por aí. Que vento faz oscilar as luzes, desertifica as ruas, chacoalha as árvores e esvazia as mentes. Distração... Uma chuva de vento, sem chuva, uma chuva de sons, sem chuva... Este vento está vivo... Estes sinais... Eu sinto algo inexplicável e é tão forte que eu sei.


As ruas estavam com um som estranho, levemente crocante. Misturado a um vazio apocalíptico. Olhando com atenção percebeu que não era asfalto por onde o carro trafegava... Eram incontáveis borboletas mortas. Nunca esteve tão distraído e com olhar fixado. Mesmo assim fez novo retorno – mas desta vez com o carro e os únicos avisos brilhavam dentro dos seus olhos. Acelerou ao máximo. Pesou o pé até doer.

Precisava encontrar sua esposa. O mundo não estava mudando. Estava mudado. Não era mais possível contar até dez e respirar. Só ele sabia... E as borboletas mortas.

quinta-feira, maio 30, 2013

Vive Inês

Vive Inês

Vão os vãos pelos vãos dos dedos
segredos guardados nas mãos
como detenção de toda história

fica uma trajetória ilusória contada
por sãs vitórias que são de vitoriosos nem tão sãos

que não gostam de matemática e preferem a estática de vez
ao contar até qualquer dez em busca da sensatez

Inês é morta pela enésima incontável palidez
por nobre força de descendencia e ausência de moral ao nome imperial burguês

vão vãos pela aridez insensata dos custos dos respeitos, que qualquer sujeito [poderia] aguentar – Ah, hipocrisia ingrata que custa a desmamar.


(às 14h45, Rafael Belo, quarta-feira, 29 de maio de 2013)

terça-feira, maio 28, 2013

Dez segundos que não conseguimos contar

Dez segundos que não conseguimos contar
por Rafael Belo

Nem pensou em contar os dez segundos regressivos até o abrandamento da fúria, foi lá e fez a besteira. Bem longe da calma... Matou os vizinhos por não suportar o barulho vindo do apartamento deles, logo acima. Demorou, mas o evitável aconteceu. Que me desculpem os amigos e parentes, mas “ele era tão bom” já foi mais demagogo. Assim, que vi a matéria e a intenção do jornalista de entrevistar parentes e amigos, sabia dos – estes sim – inevitáveis comentários sobre a bondade do homicida/suicida.

Independente do equilíbrio ou desequilíbrio das pessoas parece que há um pacto de não se falar mal dos mortos (ou se for o caso o mínimo possível e justificar os erros). Macula pela história sempre ser contada pelos vencedores ou usurpadores. Enaltecem-se os vitoriosos – ou simplesmente aqueles que vivem – e endemoniam-se e culpam os mortos. Mas, o fato não é sermos no mínimo 50% defeitos, mesmo havendo quem jure ser esta porcentagem maquiada e somos na verdade 10%... De qualidade. Fato é que portar armas mata.

Se não há controle emocional ou uma contínua pressão culminar em explosão cega, não é preciso ser um gênio cercado pela NASA para saber do resultado caso este ser possua porte de arma, ou melhor, só a arma. Em um momento decisivo, a própria vida sempre vai valer mais. A autopreservação a todo custo é uma pregação semiótica em todos os segmentos, basta querer enxergar. Não importa se o incômodo é um barulho irritante, o congestionamento no trânsito, o bullying contínuo ou o testemunho de um assassinato, a razão final será continuar com vida ou impor respeito.

Aprendemos assim, os exemplos vêm desta forma desde que saíram dos fornos prontos e programados e depois tentaram a inserção dos dez segundos... Vamos lá. Respire fundo e conte até dez, contagem regressiva e esqueça que tem uma arma e foi ensinado que ela resolve tudo. Você tem direito a se defender até das ideias contrárias, quem dirá dos sons excessivos e que lhe desrespeitam, seu orgulho é tudo, viva a lei do silêncio, salvem o olho por olho, dente por dente... E no fim do programa – como é Fantástico – a discussão mais acirrada foi o chororô do Neymar... Nos transformamos no Homo Mimimi... Os que sempre são bons depois de mortos.

sábado, maio 25, 2013

Miniconto - De lado nunca mais


Miniconto - De lado nunca mais
por Rafael Belo
Não foi bom acordar. Ainda mais com este maldito despertador incalável. Teve que ir comprar o café da manhã. Vestiu um shortinho puído. Uma baby look rasgada, chinelos velhos e uma jaquetinha social bem “apessoada”. Ah, sim. Tinha os óculos para evitar qualquer claridade. Jogou um lenço na cabeça e foi. Digna de um desativado manicômio. Entrou no carro. Saiu da garagem. Esperou o portão fechar e só então olhou o tempo. Parecia início de noite e não de manhã. Parecia que chovia, mas só parecia. Fez suas compras voltou. Decidiu não trabalhar aquele dia. Ainda esta com a cabeça perdida depois de todas as ofensas gratuitas de ontem. Nunca foi tão desrespeitada. Iria deitar. Ganharia mais.

Só de roupas íntimas – mas ainda de óculos - já estava prestes a deitar. Ainda não eram 7h... Mas seu estômago protestou. Abriu a geladeira achou uma banana com a casca empretecendo e comeu. Quase passada, pensou. Não foi suficiente. Abriu novamente a geladeira buscou o leite. Encheu meia caneca, procurou o Toddy. Quando havia colocado duas colheres, algo chamou sua atenção. Tirou os óculos, mas ainda havia muita penumbra pela casa. Colocou o litro de leite na pia e mais meia colher de Toddy. Pensou. Entortou a cabeça. Tirou leite e caneca da pia. Os colocou sobre o fogão. Não pode ser. Não fiz arroz... Ah, não... O arroz estava se mexendo. Claro que não podia estar vivo, então era outra coisa. Ela sabia. Cerrou os dentes e procurou não se apavorar. Era tarde demais. Já respirava muito rápido e seus ombros acompanhavam.

Vermes. Na minha pia... Só pode ser culpa daquela vadia. Aquela vaca me rogou praga. Amaldiçoou-me. Mas acreditar nisso em meados de 2013 é pracabá... Quantos é possível ter nesta pia? Meu Deus parecem tão rápidos... E Agora?! Enquanto a pia parecia um branco vivo em 3D, ela se lembrava das palavras da Vaca. Achava que com certeza não era a melhor pessoa do mundo, mas só fazia o que dizia fazer e procurava se dedicar ao máximo ao trabalho, ajudar ao máximo e se enfurecendo gritou para a pia viva: - Sempre tem as invejosas inventando, injetando veneno gratuito direto no coração dos despreparados e os homens então... Babões otários. Não podem ver uma assanhadinha. Mas se não sou a melhor pessoa posso ser a pior, pelo menos para alguns e ALGUMAS..., desabafou. Depois ela soltou um grito demorado e começou a lavar a pia.

Este lixo imundo com comida apodrecida. Como me descuidei... Como pude deixar ser desrespeitada em silêncio. Ela me jogou tudo. De canetas a palavras que eu usei em outro contexto. Fui pega desprevenida e passei vergonha naquele senta e levanta. Não devia ter dado as costas para ela. Mas ia fazer o quÊ?! Chorar voltada para ela? Não! Fiz bem em virar as costas e não engolir o choro. Vai ter troco. Mas vai ser profissional. Ajudei tanto essa... Essa... ESSA Piriguete dos infernos... Puta... VA-DI-A... VA-DI-A... VA-DI-A... Agora minhas costas sangram... Huunnff... Aquele caranguejo transparente camuflado na areia vai voltar para seu buraco e parar de andar de lado, nem que seja só do meu! Huuuunnnnff...

Nem terminou com os vermes da pia. Tinha uma sujeira maior para limpar. Não ia ser nunca mais desrespeitada. Vestiu a mesma trágica roupa. Os mesmos óculos e saiu deixando torneira pingando, vermes se acumulando e o portão escancarado. No rosto vestia uma fúria controlada, direcionada que só o desrespeito pode causar e era provável que nunca mais vestiria novamente aquela expressão.

quinta-feira, maio 23, 2013

Clarão aceso

Clarão aceso

Imediatamente a mente turva sem sentir
parte a partir da impaciência chula, ciência exatamente cega
nas pregas de quem prega a imposição do som no tom
da curva aguda e avolumada das desrazões erradas do agir

evolução do templo em ruínas desmoronando o movimento amplo, da impulsão

partida das gírias do grito pela força da mão,
da quantidade da massa sem forma na presa liberdade da vontade de não pensar,

acima da superfície molhada e o corpo suado,
o céu se apaga sobre o culpado,
estufam-se peitos, sem respeito, choques, toques, clarão, então,
cai o raio.

Rafael Belo, quarta-feira, 22 de maio de 2013, às 13h48.


terça-feira, maio 21, 2013

O imediatismo da impaciência

O imediatismo da impaciência
por Rafael Belo
Ansiosidade. Pouca idade. Diversidade. Cadeiras. Show. Desrespeito mútuo. Uns em pé em detrimento de quem estava sentado outros sentados com palavras de ordem para que os da frente fizessem o mesmo. Tentando ignorar os gritos da massa, permaneciam em pé. Tentando não serem ignorados, todo arsenal em mãos era arremessado com má pontaria, acertando-os nas mesmas condições destes, sentados. Muita munição desperdiçada até se sentarem todos, porém ainda há alguém disposto a continuar os joguinhos dos desrespeitos. Em cima da cadeira vocifera para quem joga e há discussão. Segue lá em pé e em pé sobre a cadeira. Única. Sozinha. Solitária no ato. A desafiar sem nenhuma palavra. O corpo denuncia o constrangimento e o ato repetido por empáfia, mas então senta.  Show com cadeiras. Este foi o magnífico show de Ana Carolina há três fins de semana.

Do começo ao fim houve esta agressão paralela ao som de altíssima qualidade. A marcante apresentação da consagrada cantora mostrou uma parcela do público diversa dela, ela simpática, expansiva e interativa, ele tempestuoso e egoísta. Este comportamento só ocorre em duas ocasiões: em grupo ou em um automóvel.  Um enfrentamento que evidencia a falta de respeito das pessoas e o prazer das sentadas permanecerem atirando latas, papéis e seja-lá-o-quê-estiver-próximo. Um desrespeita-me que eu te desrespeito que por a minoria ceder não terminou em baderna e até pancadaria. Claro que quem estava sentado e não se envolvera, desvia a atenção para o cabo de guerra. Mas ninguém se metia. Assistia como um show à parte. Uma realidade paralela que se distanciava voltando os olhos e ouvidos para o show. É irrelevante dizer que eram meninas. Adolescentes. Porque tudo parece se misturar nesta nossa realidade e nada vai mais de gênero e sim de personalidade ou a epidêmica falta dela.

Fato é a massa sentada incomodada com o grupo em pé em frente às cadeiras, somava aos gritos de ordem da meia dúzia mais eufórica. Era um: SENTA SENTA SENTA. Enquanto rolava o show da talentosa Karina Marques. Mas foi por pouco tempo. Quando a cantora e compositora local terminou o show. A demora voltou o foco do pequeno grupo sentado, mais à margem das cadeiras, a quem estava em pé. Divertiam-se. Riam. Estavam lá para se divertir e todos repetiam o coro. Senta Senta Senta Senta Senta Senta SENTA SENTA SENTA. Havia vaias também quando se sentavam e logo levantavam. Durante todo o show foi assim. Quem senta quer enxergar, quem levanta quer enxergar... E neste senta levanta acabam ficando todos estes sem sentir o show, sem se envolver realmente porque o diálogo não existe. Parece não haver vocabulário nem para se comprimentar, quanto mais palavras sensatas para chegar a um acordo. O imediatismo da impaciência...

Ah, esta impaciência imediata... Se não acontecer no tempo determinado por fulano-sicrano-beltrano, o tempo fecha, a temperatura muda, arde o mármore do inferno e todo o sol vira gelo. Tudo no olhar é fúria e é morte rápida, principalmente de quem as têm brilhando nos olhos. Mas sabe lá o que é desrespeito. Esta pandemia tupiniquim do distanciamento chamado egoísmo – mesmo alguns chamando de mídias digitais, alienamento, autismo opcional e ignorância funcional – do julgamento, de uma antecipação covarde do imprevisto sem sequer termos tempo para olhar para este nosso imenso umbigo sem a mínima higiene necessária. Só porque nem ao menos nos respeitamos... Saímos por aí, perfeitos fios desencapados a procura de coletivizar nossas angústias e vazios, afinal achar culpado(s) pelo (nosso) bem maior é o objetivo que mais respeitamos. Quem sabe o segundo seja chocar...

sábado, maio 18, 2013

Miniconto - Cilada do Sonho


Miniconto - Cilada do Sonho
por Rafael Belo
Cilada. Só podia ser. Mas ele ainda não sabia. Estava acordado no sonho e consciente que sonhava.  Cedeu - contrariado - tudo. Não soube dizer não nem a si mesmo. Não sorriu, não abraçou, nem olhou apenas deixou ser sorrido, abraçado e olhado como se fosse um reflexo. Não sabia quem era o explorador onírico. Melhor, sabia, mas preferia sonhar não saber e ignorar. Há muito não dava satisfações de seus feitos e para compensar até assinou papéis de sanidade. Consciente. Ele estava consciente da cilada, mas se entregara. Queria outra realidade naquele sonho.

Quando conseguiu se estapear e acordar do sonho acordado, já era toda a manhã. Sua consciência pesara e pesava como se cometesse suicídio e continuasse lá. O inferno era ele mesmo e um pouco... Bem ele não queria ter a certeza, mas a tinha. E nada tinha de pouco. Pouco agora era ele. Um acúmulo de seu eu cansado. Acordado ele não mais ficaria. O outro ele estava lá com domínio motor e, quase completo, mental. Ele era uma pontinha de sentimentos positivos  sem forças, no momento.

Tinha relances dos olhos, mas sentia tamanha pressão, que não passava disso. Relances. Raros relances. Agora ele era algo adormecido colhendo sobras e restos desinteressados e cheios de boa vontade vazados daquele ambiente hostil e ruim. Ambiente hostil e ruim... Era isso seu... O corpo agora. Ele era um hospedeiro de si. Pode isso seu Juiz?  Agora não adianta questionar. Até porque eu já sei a resposta. Eu sou a resposta. Tomei tanto do meu veneno que me transformei em um conto de fadas às avessas e eu sou o adormecido.

Quando “o que sobrou de bom” sobrevive neste entorpecimento: Prisioneiro de mim. Eu hospedeiro... O hóspede maldito está lá fora e ainda sou eu. Não consigo acordar deste sonho acordado. Estou paralisado, sem foco e sou só uma sensação passageira. Mas, não era assim este eu acordado? Sonhando desperto a minha... A Vida?! Não me reconheço nesta sagacidade malandra acabando comigo. Sou uma sombra dentro da minha própria sombra. Estou de olhos bem abertos, mas não sou eu mais...!

quinta-feira, maio 16, 2013

Sonhado


Sonhado



De olhos bem abertos o sorriso
sonhava o passo lúcido onírico
o sonho do sonho era acordado
preciso como os de olhos bem fechados

Ainda dormindo pela metade
na posse da chave sem utilidade no pé alado
como um identidade possível do outro lado

um achado comido pela saudade
de quando o sono consciente esquecia a idade
ficava inconsciente, faminto, e se transformava lentamente [ de verdade] em sonhado.

(às 22h30, Rafael Belo, quarta-feira, 15 de maio de 2013).

terça-feira, maio 14, 2013

Sonho do sonho


Sonho do sonho
por Rafael Belo
Foi difícil acordar. No sonho dentro do sonho sabia que sonhava, mas não quão profundo. Lembro de deitar para dormir para acordar. Tinha que acordar e acordei dentro do sonho. Nele comecei a me beliscar e nada de acordar pela segunda vez. Parecia que minha cabeça pesava, doía e algo impedia meu despertar. Sentia algo ruim. Só quando espalmei a mão entre as sobrancelhas e os olhos consegui acordar. Estava pesado e fiquei atento. No mundo real começava a chover. Tirei os cachorros do descoberto, troquei a água e voltei a dormir. Mesmo assim, até agora estou com uma sensação desagradável. Não me lembro da última vez que isso aconteceu – se é que essa não foi à primeira. Você já passou por isso? O sonho lúcido. Neste instante me encaixo nos sonhadores lúcidos e você?

Naquele momento me senti um “onironauta” ou explorador de sonho. Mas, não havia nada visível nele, ou melhor, neles, apenas a sensação. Tudo era branco ou cinza. Parecia que eu flagrara minha mente começando a criar. E, claro, não queria explorar... Havia deitado apenas meia hora atrás. Estar consciente de sonhar enquanto sonha parece uma quebra de regras ou algo em mim se quebrou depois que acordei na madrugada de domingo para segunda. Foi – e ainda é - como se a noção do real e o imaginário se rompesse. A cortina que separava dois mundos foi erguida. Mas, antes de conseguir levantar senti a paralisia do sono. Não controlava meu corpo adormecido como se houvesse um delay entre meu comando. Ainda agora pareço metade e aos poucos a cortina vai se fechado. O onírico e a vigília se fundiram por um momento e o fragmento desta rápida fusão e separação ainda sonha em mim.

Esta paralisia passageira me lembra da corrupção da liberdade. Não porque na segunda-feira foi 13 de maio e há 125 anos a Princesa Isabel decretou a abolição da escravatura já maculando há três séculos, mas pela forma como é manipulada nossa liberdade ainda mais daqueles sem acesso a informações diversificadas ou ainda aqueles que o são, porém não possuem o discernimento. Estamos paralisados no trânsito porque não temos um transporte público de qualidade, no emprego por desconfiança – ou excesso de confiança – na nossa capacidade, nos estudos ou no sonho consciente e passageiro de estabilidade. Fato é que não queremos estabilidade parece que tal palavra nos leva a distorção de sermos livres e não ter a opção de se mexer é sim um pesadelo.

Sonhamos acordados mesmo aqueles sonhos mesquinhos, invejosos e vingativos de querer nos quais a ambição escorre pelos cantos da boca feito a enxurrada de uma chuva que não molha. Acordar dentro deste sonho lúcido deixa um gosto na língua meio-amargo, meio sem sabor... Destes que damos a mordida esperando o melhor, sorridentes, e o sorriso desaparece como se nunca estivesse lá. E assim pela metade espero o sono vir e tirar este vazio que o despertar duplo da madrugada deixou no meu estômago, esta azia onírica de vigília pronta para devorar a metade ainda dormindo na passagem de domingo para segunda.

sábado, maio 11, 2013

Miniconto - Cidade sem reflexo

Miniconto - Cidade sem reflexo
por Rafael Belo

Havia tanta plástica naquela feiura a ponto de arrepiar o corpo como se algo morto nos tocasse em plena meia noite silenciosa de uma sexta-feira 13 supersticiosa. Era como encontrar no meio da pista um acidente monstruoso e fatal para aqueles com fobia de lugares abertos, fechados, sangue e estradas. Mas mesmo assim era real. Insuportavelmente real e palpável. Esta certo que a estética tem seu padrão e cada um seus olhos para a dita beleza, mas aqueles dois eram o pesadelo de todos, tinham um pouco do medo de cada um. Feito erros impossíveis da criação.

Viviam isolados e a força da atração chamada natureza os uniu. Eram a única companhia um do outro. Podiam até dizer que eram Quasímodos trabalhados profundamente em Jason Voorhees e Freddy Krueger. Estavam à margem de tudo, não exatamente porque queriam ou porque não suportavam o bullying - o que era fato árduo - mas porque tinham vergonha da crueza da própria plástica derretida. Quebraram todos os objetos que refletiam a distorcida imagem possuída, inclusive vestiam roupas com capuz para entrarem na cidade, retirar os espelhos e quebra-los em outro lugar qualquer.

Uma noite observavam a cidade e riam do Amor que retribuíam um ao outro. Eles haviam passado a semana inteira desta maneira. Imaginavam o que ocorria nas festas da Semana da Arrecadação. Enquanto percorriam o olhar parte por parte da cidade, toda detalhada da morraria onde estavam, várias luzes começaram a riscar o céu com uma luminosidade que ligava as estrelas, o firmamento, eles e o chão. Ao chegar nesta última parte um pequeno tremor era sentido. Certamente só por eles... Então um maior e mais próximo caiu perto da concentração de toda a pequena cidade.

Sem sequer pensar, vestiram suas roupas e capuzes ao mesmo tempo que um segundo risco caia do outro lado da concentração como um cerco celeste. Eles sentiram uma vibração e caíram. Levantaram e seguiram correndo para o local. Estavam todos desmaiados como se tivessem recebido uma pancada na cabeça. Após leves sacudidelas começaram a carregar cada cidadão que os temia e desprezava. Mais e mais riscos luminosos bombardeavam a cidade e eles não paravam. 

Quando o último foi carregado até o topo da morraria era como se esses riscos luminosos fossem fósforos acesos jogados em álcool e palha seca. A cidade inteira se consumiu. Simultaneamente acordavam os habitantes... Os sobreviventes procurando entender o ocorrido. Não foram felizes nem ao menos para imaginar o motivo de estarem onde estavam. A cerca de 50 metros, do lado oposto da fumaça, viram dois vultos com formas duvidosas e capuzes se distanciando com o que parecia poucos pertences. Muitos diziam serem herois, poucos vilões, mas aqueles dois sim estavam felizes... Metade pela queima total, metade pelos que não queimaram. 

quinta-feira, maio 09, 2013

Branca que é


Branca que é

Por dentro reluzia a primavera
com a harmonia da passarada lá fora
cada beleza singela era branca tela
preenchendo silêncios onde cada uma mora

passara outroura a aurora da vida
cantado cores com textura de amora
era um sabor estético roxo-lilás-rosa
algo sem nexo para quem só enxergava de fora

passarela de aquarela das tintas do olhar
passando pela porta aberta passava toda janela e o ar
querendo o dentro por toda parte, feito a tela branca que é.
(Rafael Belo, às 00h30, quinta-feira, 09 de maio de 2013).

terça-feira, maio 07, 2013

Harmonia plástica? Só divina


Harmonia plástica? Só divina
por Rafael Belo

Gorda, na média, magra, atlética, musculosa, alta, baixa, baixinha, loira, ruiva, negra, morena, branquinha, lábios carnudos, sexies, fininhos, olhos azuis, verdes, mel, pretos... Cada cultura tem sua preferência, cada região tem seu gosto, cada cidade sua escolha, cada bairro seu destaque, mas cada estação tem suas especificidades de beleza adotadas por cada um. Tal beleza tão ditada, tão seguida é apenas mais um padrão para a minoria (mais conhecida como quem cria roupas e quem tem dinheiro e poder). Seja lá qual for a moda efêmera atual, o que sempre me atraiu nas mulheres tem um nome apenas: essência.

Sabemos da relatividade da beleza, apesar de ter aquela mais comum nas nossas raízes que acaba por, muitas vezes, ser unanimidade – mesmo eu concordando com Nelson Rodrigues “toda unanimidade é burra”. Quem despertou meu Amor (minha esposa), o despertou não só por sua beleza arrebatadora, mas todo o conjunto da obra que molda o jeito que ela é. Por todo padrão estético forçado e escravizado na tal da moda, se realmente fosse implantado seríamos plasticamente iguais. Não importa a harmonia da plástica. O visual ideal é um mito como um único ser ideal.

Além disso, no final o ideal é apenas uma ideia que nada muito distante da correnteza da emoção e tais belezas morrem, principalmente porque são arrancadas de seus jardins onde cheiravam vistosas rosas. Daí perdem seu viço e esplendor quando querem tornar-se orquídeas. Temos até insônia pelo quanto estamos cansados de saber que razão e coração sempre se contradizem, mas convivem para sobreviver. O poder da Beleza Padrão é moeda corrente desde que mentiram sobre a definição do Belo (e com certeza não me refiro a mim ou ao ...dito pagodeiro).

É claro que é como a questão da opinião é do .. Bem cada um tem a sua e o seu, além daquele inseminado artificialmente em nosso gene desde antes do Antigo Egito, melhor ainda antes da China Antiga. Desde lá, a carência do homem é diferente da mulher como obviamente sabemos – se vivemos.  Não há como cobrar o que não se tem afinal como enfeitar o pavão? A dívida fica impagável já que aumenta como um dragão comedor de hormônios e fermento. Se você olhar casais poucas vezes vai dizer nossa são tão lindos, eles combinam...  Porque a tendência é ao contrário.

Nestes nossos discursos pósmodernos a “devoração” de tudo pela “devoração” de tudo é a constante insatisfação do adotado discurso da originalidade onde foram 99% ditadas pela ditadura das cópias, os originais estão bem guardados vendo a beleza em toda parte balanceada com a contraparte - a falta dela. A vida é bela sim, mas não plástica porque a plástica vem dos olhos de cada um, daquele olhar ponderado tentando achar o lado daquele que olhou.

sábado, maio 04, 2013

Miniconto - Arrastando limitações


Miniconto - Arrastando limitações
Rafael Belo
Estavam todos conectados quando começou a oscilar a energia e tudo escureceu. Se não fosse impossível até as estrelas e as luas haviam sido engolidas pela escuridão. Não se enxergava nada. Nada se ouvia. Portanto, não era de se desesperar quando também estavam apagados os celulares e todo dispositivo móvel já inventado. Como acessar então as redes digitais? Era óbvia a necessidade de esperar a situação voltar ao normal. Afinal a energia voltaria a qualquer momento, certo? Mas, não voltou e já no segundo dia fazia suas primeiras vítimas do mal dos séculos e séculos. O Distúrbio da Dependência Virtual deu seus primeiro gritos em um casal de irmãos que de olhos vidrados e boca seca digitavam no ar.

Não pode ser. Não pode ser não pode ser... Não pode ser! Vou tentar mais uma vez acessar meu face... O quê vou fazer agora?! Cadê minhas amigas? Como vou ligar para elas, curtir suas ações...?Elas moram... Bem... Deixa pra lá... Mas como vou dizer o que estou pensando agora? Como vou dormir sem... E as fotos... Ah, tenho tantas para tirar, para postar, para para para... pára tudo! Vou ter que olhar para frente, agora... Quem são essas pessoas...? Ah, acho que são meus vizinhos. Nossa quanta gente nas ruas. Acho que meus olhos se acostumaram a escuridão, enfim. – Irmão?Você está babando? E este olho vermelho? Irmão irmão irmão... Respira ou pisca pelo menos... Será que eu também fiquei assim?!

Esta era a primeira vez, desde a última troca de smartphones, que era possível ver casais terem conversas que significassem algo realmente, não fossem pedidos, desculpas... Era a primeira vez desde a última batida na traseira de um carro parado, que as cabeças estavam erguidas e não só de motoristas como de pedestres também. Engraçado foi ver as pessoas se surpreenderem com as normalidades ao redor. Parecia que há um tempo incontável não viam nada, não ouviam nada nem opinivam fora das tais redes digitais.

A síndrome dos dedos ágeis seguia com seus surtos como um batuque de sons curtos sincronizados e como um enxame de escolas de samba em miniaturas povoaram cada silêncio perplexo, cada letargia claudicante... Sem energia o mundo se desapequenava, voltava a ser vasto e desconhecido e os novos desbravadores já não eram mais novos nem desbravadores, nem interesse sabiam que tinham... Voltavam ao ovo. Voltavam para dentro de seus frágeis particulares...

Me sinto aquele clichê de autistas de hollywood. Balançante mudo e minha irmã achando que vou me comunicar sem um dipositivo móvel sequer, meu celular não funciona, meu tablet não funciona, eu não funciono e o mundo não existe... #prontofalei. Ainda bem que encontrei estas superfícies lisas para passar o dedo, clicar, é um vício meu deus. Como viver sem energia, sem wi-fi, sem face, sem twitter, sem tumblr, ah meu instagram querido voltaaa... E eu que achei que os zumbis fossem resultado da televisão...

Realmente quem viesse de outro tempo e analizasse a multidão se arrastando em pé, trombando uns nos outros e em qualquer coisa fixa poderiam voltar a sua realidade e confirmar o Apocalise Z, ou qualquer outro fim do mundo (pelo menos momentaneamente) com cérebros devorados por zumbis.

quinta-feira, maio 02, 2013

Adulteradas entrelinhas


Adulteradas entrelinhas



Oscilou o clamor das redes e caiu o sinal
desabaram as paredes, sumiu o andor , o mundo se desapequenou,
desesperou dedo por dedo o ardor das sociais sem digitais
sem sinais do medo e horror ostentados pela dependência virtual

começou o caos das carências não marcadas
nos distúrbios dos subúrbios da conexão desigual
faltaram mãos para amparar a queda maquiada

faltou chão para toda energia gasta no residual
nunca mais a massa zumbi teve  a vontade compartilhada

sem cantis não mantiveram as águas confinadas no normal
morreram de sede todos aqueles que beberam da água adulterada.

(às 19h15, Rafael Belo, quarta-feira, 1º de maio de 2013).