Dando um volta (miniconto)
por Rafael Belo
Aquele tempo de cão era
tudo que ela tinha, afinal era um cão. Uma bela cadelinha passando dos seus três
anos humanos ou 21 anos caninos. Obedecia seus donos até quando dava, mas só
até aí. Depois precisava de todo os esforço para ouvi-los e relutantemente “obedecer”.
Se houvesse gato ou outras cadelas envolvidas, ah aí sim era quase impossível
ouvir, quem dirá “obedecer”. Caseira como era queria as ruas. Só cheiros novos
e sons assustadores e ela, praticamente uma Pinscher espichada, achava poder
enfrentar qualquer Dogue Alemão.
Mesmo sendo uma pequena
Shih Tzu tosada e calorenta, seu latido era quase de um São Bernardo nervoso. Quase.
Carente e hiperativa, ela espera a oportunidade abrir o portão para ela
desvendar os sons e os cheiros fora de casa. Na verdade cansara de ser caseira.
Queria ser arruaceira... Até... Até perder seu companheiro apenas uma semana
mais novo. Tentava ser ela mesma. Tinha até clarões de quem era, mas a tristeza
era sete vezes maior e ela pedia colo e companhia.
Ciumenta, mas também
egoísta teve sua oportunidade e não perdeu. Teve quase uma overdose de
novidades. Rodou o quarteirão e descobriu ser medrosa. Olhava toda hora para
trás para ver aonde estava. Quando perdeu de vista sua casa, andava mais
olhando para trás que para frente e, mal sentiu mãos a tocarem, latiu-mordeu
furiosamente e correu. Uma bala creme com manchas marrons claras. Se soubesse o
que era, latiria por aí que inventou a frase patas para que eu te quero.
Chegou em casa. Assustada,
cansada e com medo da reação dos donos, mas suas patinhas doíam e sua língua
estava praticamente no chão. Tomou banho no potinho d’água. Sujou toda a casa e
deitou com as patas para cima. Tinha andado pouco mais de 300 metros. Mal três
minutos tinham passado. Ninguém percebeu a aventura da cadelinha que voltou com
um sentimento de cão. Amanhã ela tentaria de novo, quem sabe um dia daria a
volta no quarteirão significando tanto quanto uma volta ao mundo, afinal o
mundo é tão grande.
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