Um dia vai (miniconto)
por Rafael Belo
Ela
vivia repetindo para si mesmo: ninguém é tão importante para não ser esquecido
nem é tão insignificante para não ser importante. Era tanta repetição que
bastante não era suficiente para a intensidade. Já não sabia mais se fora ela
quem inventara tal provérbio ou se leu em algum lugar. Para todos os defeitos
era o provérbio dela. Atualmente levado ao status de mantra. Ah, e como ela o
repetia... Elevava a cabeça diante do espelho, depois alinhava os olhos e mais
uma vez o dizia. Ninguém. É. Tão. Importante. Para. Não. Ser. Esquecido. Nem.
É. Tão. Insignificante. Para. Não. Ser. Importante.
Mas,
ao encarar seu emprego... Bem, encarar é uma palavra muito audaciosa, corajosa
por demais para estar associada a ela. Pelo menos em público ou na presença de
qualquer outra pessoa a não ser ela mesma. Ao chegar sorridente para mais um
dia interminável de sofrimento para um mísero salário no fim do mês, mal
conseguia pensar seu provérbio/mantra. Passava mais de 20 anos sem parar se
preparando para não ter de se submeter a ninguém e olhava com total desânimo o
que conseguira. Trabalhar em um sitezeco dito de jornalismo, mas dava para
contar nos dedos quantas matérias haviam ali com espaço e fontes suficientes
para se considerar a credibilidade... Mesmo assim, três anos se perderam entre
seu silêncio e cumplicidade.
No
seu próprio submundo se flagelava e deixava a mediocridade ser maior que a gama
de qualidades possuídas por poucos, utilizadas por menos ainda. Em uma
entrevista agrada-poderosos da vida ela estava acesa e irritadiça como nunca
antes na história jornalística. Perdera um ente querido e mesmo assim foi
trabalhar e ao invés do oceano de lágrimas, uma erupção de ira disfarçada em um
sorriso inteligente e um olhar penetrante a dominavam, aliás dominavam os
outros. Ninguém. É. Tão. Importante. Para. Não. Ser. Esquecido. Nem. É. Tão.
Insignificante. Para. Não. Ser. Importante. Ninguém é tão importante para não
ser esquecido nem é tão insignificante para não ser importante. NinguémÉTãoImportanteParaNãoSerEsquecidoNemÉTãoInsignificanteParaNãoSerImportante.
CHEGA!
Pensou tão alto que olhou na certeza de ter dado o grito da independência ou
morte. Não conseguiu uma resposta concreta para nenhuma das perguntas não
combinadas que fez. Levantou pegou seus papéis e foi embora bufando para os
rostos assustados e sussurrantes a sua volta. Foi para casa. Não atendeu
ligações nenhuma. Conferiu o material que pegou e foi sua vez de se assustar e
sussurrar. Havia nomes, telefones, ligações e cada prova do envolvimento de
cada jornal com as verbas públicas e os desmandos que recebiam. Escreveu. Entrou
no site e publicou. Em seguida fez um dossiê e mandou para Google e o mundo. Nos dias seguintes os jornais eram fechados e investigações abertas. Três meses
depois o jogo começava do zero como se quase nada tivesse sido admitido e ela demitida.
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