Bia
era diferente (miniconto)
por Rafael Belo
Com o punho erguido,
bradava. Mas nem ela tinha certeza se era liberdade, força ou a deturpação atual.
A distorção pessoal. A dispersão midiática. Imagem mais dramática já
interpretada na vida dela. E ela, naquela, era ou não era. Shakespeare se
orgulharia. O anônimo não o ganhador das glórias. Neste ser ou não ser, havia uma constante
crise de não envelhecer e permanecer naquela atitude arrogante inocente,
adolescente. Mas esta autista por escolha nesta era tão ausente, mas pouca
coisa inteligente, era tão carente quanto um verdadeiro órfão. Porém, Bia era
diferente.
Divergia da solidão e
da multidão. Gostava da primeira, já de aglomeração... Nem de parentes. Se bem...
Bem, Bia se definia por Bia. Era pura união. Escorria da boca. Era uma sorriso.
Todo branco. Ok. Parecia tanto branco, mas só pela alegria de estar junto e
compartilhar. Amava os parentes porque não eram multidão nem repartição. Eram livres.
Era só ouvir a harmonia, prestar atenção nas lembranças e claro, comer e
cantar. Uma marca. Farta nesta família. Não era Espíndola ou destas sertanejas.
Seu maior bem lapidando seus dons. Bia e
seus primos viviam em gestação.
Uma grande geração de
ouvido, se ouvindo e se abraçando. Som de vozes intercaladas, de risadas e do
violão. Uma roda de música onde quem rodava era o objeto mais acústico, o dom
de se doar. Também o violão passava de mão e mão e sempre saia uma canção. Todos
bem vestidos até os de outros sobrenomes e diversos tipos sanguíneos. Vestiam um
imenso sorriso vazado de orelha a orelha. Uma verdadeira celebração da vida. A ceia
no seio dos dons humanos. Fartando-se de satisfação. Bia é cada um neste
retrato e também de fato nenhum, a não ser ela mesma.
Hora em pé, hora na
mesa. Mas descalça. Não porque Bia era pé no chão. Era sonhadora nata e para sonhar
bem tem o trem dos pensamentos solitários e todo um imaginário de dicionário próprio.
Mas estava à mostra com raízes vistas e todas aquelas debaixo da terra. Por isso,
ali, naquela roda eclética, cada indivíduo ia ficando mais leve, coletivo. Bia
já flutuava. Nada de photoshop. Nada de fingimentos. Era aquilo e pronto. Não havia
retoque. Nem sequer um reboque ou uma luz artificial. A iluminação era natural.
De dar vigor a silhueta e contorno às sombras. Como se pousados nos mais altos
galhos secos de outono, dispostos ao fim do dia apreciar. Um domingo moderno,
mas típico domingo em família.
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