quarta-feira, maio 10, 2017

Não se contenha (miniconto)



por Rafael Belo

Ela acordou sorrindo com uma vibração no corpo, a sensação de ter deixado ele ali e ter vivido toda a intensidade da alma durante inenarráveis vidas, mas foi só uma noite. O corpo de Soli Dazi dançava. Uma alegria matutina capaz de sorrir até as mais oxidadas carrancas e os mais deteriorados maus humores irradiava suavemente dela invadindo casas e vidas aos arredores. Havia um contraste de doçura habitando ali com uma brutalidade incapaz de gentileza. Toda essa energia metia o pé e arrombava portas e quaisquer tipos de defesas tentadas pelos isolados.

Foi um sonho interrompido. Sonho sonhava com Soli. Ele havia tirado ela para dançar quando o estágio do sono já beirava o profundo. Ele a esperava na beira do abismo sem fim da liberação espiritual do físico sorrindo. Demorou para ele despertar do próprio sono. Sonho havia sido deixado ali quando uma adolescente Soli foi desiludida. Ela não estava preparada para deixar seus sonhos de lado e Sonho foi escolhido para representar todos os outros.  Não conseguiu despertar Soli para a grandeza dela ao criá-lo tanto tempo antes...

Quando Soli foi tocada por antigos amigos com as possibilidades a reatando com aqueles não mortos, aqueles capazes de a levitarem, a fazerem voar tão alto quanto o impossível... Ela chorou. Um pranto de alegria se misturando ao sorriso e absorvido pela pele até ser bombeado pelo coração para a substância profunda da alma... Essa mistura, sorriso com lágrimas felizes, é ingrediente principal para os milagres cotidianos. Uma questão de fé. Ela havia esquecido qual era seu sonho e, assim, quem era ela.


Foi uma noite de libertação. Soli caiu de amores por ela mesma e de um vagalume nas sombras virou um eterno sol. Quando seu corpo exausto do dia não aguentava mais as comemorações da recuperação dos sonhos e de si, a redescoberta, Soli foi dormir. Sonho voltou a incorporar em Soli. Soli era Sonho. Sonho era Soli. Agora ela despertava sonhos perdidos, mas ainda vivos aos arredores. Onde ela chegava começavam as pessoas a irem também. O corpo incapaz de conter tanta completude só podia dançar. Para onde se olhava agora, todos dançavam sem mais se conterem. 

Nenhum comentário: