por Rafael Belo
Seus sapatos Scarpim rosas estavam gastos
e prestes a quebrar. Ela já havia descido do salto, mas era tarde demais. Andando
em círculos no gabinete dela pela incontável vez, era possível identificar o desnível
no chão daquela repetição de insegurança e nervosismo da senadora. Veranah tinha
começado com um propósito desde as bases na vereança. Mas, já naquele começo se
retorcia, contorcia e era isolada, porém na era da informação todo mundo tem
acesso à tecnologia. Sua assessora de imprensa mantinha um celular conectado no
face Ao Vivo o tempo todo. Tinha bateria de lítio capaz de gravar até 72 horas
sem parar.
Veranah resistiu e trouxe o povo com ela mostrando
passo a passo seu reality político. Com o tempo seu público explodiu e o mundo
já a via. Havia, porém, a escala do poder nos degraus da vida dela. Pressionada
pelos seus eleitores, Veranah mostrava não responder ao partido, mas não queria
correr o risco de lutar contra a corrupção diretamente. Ela se mostrava
transparente e leal sempre. Seus colegas a temiam e a evitavam. Ninguém queria
ser exposto. Inúmeras tentativas de “sumirem” com a senadora já tinham sido
inutilizadas. Nenhuma dava certo. Sempre
vazavam informações e a segurança solidária elaborada por amigos de Veranah era
muito boa.
Na escalada ela já havia mudado quando
prefeita. Um ranço e um ódio do cargo a revolviam por dentro. Ela se sentia
chafurdando em si mesma e nas escolhas feitas. Foi deputada estadual, mas foi
obrigada a se afastar para assumir uma secretária do Estado. Não aguentava mais
viver cercada sobre segurança e o seu Verão não durar tanto. A cara de pau
havia evoluído e nem as câmeras adiantavam mais. Mesmo assim ela era evitada e
isolada. Como governadora ela pensava na medida impopular de impedir o povo de
pedir. Sempre pediam emprego sem capacitação, salário sem presença, pagamento
de conta de luz, água, aluguel, prestação da casa própria, o boleto do carro...
Ela estava desiludida. Falar de seus colegas de “profissão” então... Era
abandono total.
Mesmo assim foi em frente e depois de uma
passagem pela Câmara dos Deputados, estava quase encerrando o mandato de
senadora. A queriam presidente e ela se viu engessada. Não poderia fazer nada. Quem
iria aprovar seus projetos de reforma? Seu limpa geral do sistema, a
aposentadoria compulsória de quem estava no serviço público há tempo demais e
implantação de um rodízio para os demais. Só para não sentirem o gosto do poder
e se engasgarem. Sem dormir há dias, sem comer nada há quase duas semanas e sem
beber água há 36 horas, sua mente alucinava. Há um mês sua assessora tinha desaparecido
e há poucas horas fora encontrada sem língua e sem olhos. Nunca tinha fumado na
vida e tendo perdido a única família que lhe restara, Veranah procurava um
presente cheio de fluído e refil para isqueiro.
O incêndio começou na madrugada de sexta-feira
e Brasília queimou como se não houvesse amanhã. A Capital política brasileira
foi reconstruída alguns anos depois apenas como Capital Histórica. Agora os
políticos de mandato único por lei, habitavam o novo Distrito Federal: Cariotano.
Uma cidade na fronteira entre Rio de Janeiro e São Paulo, próxima à Bananal. Veranah
acordou sorrindo apesar dos murros na porta do gabinete. Sonhar podia custar
seu mandato e ela não iria arriscar bem no seu discurso de posse.
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