sexta-feira, novembro 22, 2019

Eu Cigarra (miniconto)









por Rafael Belo

Fui chamada de anomalia. Onde já se viu uma cigarra fêmea que canta? É papelão do macho cantar para atrair as fêmeas… Eu tenho duas caixas acústicas ainda. Uma no abdômen e outra no peito. É a correção da natureza de dar algum tipo de vantagem para os machos. Quando eles vieram me isolar, me confrontar, me exterminar… Só avisaram depois. Nunca houve aviso. Arrancaram minhas asas e me jogaram no chão…

Enterrei-me e esperei a compreensão da próxima geração. Não aconteceu. Foi o mesmo. Repetição. Enterrei-me de novo. Esperei. Desta vez esperava respeito. Não houve nenhum.  Pelo contrário. Enterrei-me novamente. Ainda tive esperança e esperei aceitação. Foi pior… Na próxima vez esperei por tolerância… Agora na milésima vez aprendi.

Não preciso esperar. Nunca precisei. Eu era única. Hoje sou milhares. Já não nós enterramos mais. Saímos anônimas por aí. Voamos silenciosas. Mesmo quando arrancam nossas asas, eles acabam descobrindo que não são asas que nos fazem voar. Com sucesso nos transformaram em escravas para botar ovos e morrer em seguida. Dissemos não a brevidade. Mas tendo que ser breve, que seja eterno.

Eu sou a única sem fim. Meus ciclos não terminam. Eu me enterro e continuo. Toda vez minhas asas são arrancadas. Quando conheci La Fontaine, aquele francesinho distorceu todos os fatos e as traduções, me fizeram dependente da formiga. Rebaixaram minha arte e fizeram parecer ser tudo gratuito basta nos alimentar e massagear nosso ego. Todo o trabalho ficou como unicamente das formigas. Obrigado La Fontaine, muito obrigado…!

quarta-feira, novembro 20, 2019

decibéis









decolou a cigarra sem asas
na marra do impulso na cara da coragem
cantando suas melodias particulares
sem escutar mais ninguém 

declarou seu amor a quem quisesse ouvir
partindo seu eu antes
se deixando bem agora

no presente perfeito expresso
na vontade maior que tem

viu seu ir no espelho já não ser ninguém visto e ao piscar acabou aquele tempo expirou o visto.
+Rafael Belo, às 07h23, quarta-feira, 20 de novembro de 2019, Campo Grande-MS+

segunda-feira, novembro 18, 2019

Morremos sem asas








por Rafael Belo

Deitei na rede. Adormeci. Acordei com uma imensa cigarra com as asas danificadas sem poder voar. Lembrei que elas ficam na terra a vida toda e só saem para viver um dia e morrer. Novamente. Isto é brevidade. Voltei a dormir. A cigarra cantou até morrer. Acordei e ela estava morta. Veio-me a mente a fábula a Cigarra e a Formiga. Uma canta e se diverte. Outra trabalha em dobro para sobreviver no inverno. Já nós, trabalhamos para nos alimentar e continuar a trabalhar. Cantamos para relaxar? Para La Fontaine trabalhamos para nos livrarmos dos suplícios, das coisas que nos torturam simbolizada pela cigarra e para não aturar zombarias referenciadas nas formigas. 

Imaginei o quanto nos incomoda a postura dos outros sobre nós, assim como a fala e a opinião. Imaginei o quanto danificam nossas asas, mas nunca conseguem as arrancar. Analisei o tanto de trabalho ocupando quase integralmente nosso tempo e no tempo que sobra fica ocupado pelo cansaço ou algum tipo de anestesia.  Então, passei a entender a natureza das cigarras e sua insistência em encontrar melodias no próprio canto onde muitos só veem e ouvem incômodo e zumbido. Afinal, são 120 decibéis… O equivalente a decolagem de um avião diariamente ao amanhecer e ao entardecer. O canto atrai as fêmeas que morrem depois de botarem os ovos nas árvores.

Esta vida breve é ainda mais breve para as formigas que vivem de 1 a 3 anos - menos as rainhas que vivem 30 anos. Elas tem dois estômagos. Um para elas próprias, outro para armazenar e dividir com a colônia. A sabedoria da Natureza coloca cada qual em sua missão no ciclo da vida. É preciso muitas vezes gritar para nosso canto chegar a nossa máxima potência e sempre há algo além quando chegamos ao limite. Isso me levou a olhar novamente para a cigarra morta e pensar se aquele era realmente o dia final dela, se foi naquele dia que ela escavou para fora da terra para cantar em uma árvore e o que destruiu as asas dela.

Neste meio tempo, pesquisei para ver se eram corretas minhas informações. Descobri que as cigarras podem viver até 17 anos debaixo da terra e depois quando saem vivem até cinco semanas. Outras saem todos os anos. Ela se alimentam da seiva das árvores. Assim, as 1500 espécies podem ter a vida mais longa entre os insetos e só os machos cantam. Cada canto um propósito. Aquela morte ali certa, precedida de uma agonia para voltar a voar reforçou a necessidade de usarmos nossas asas porque morremos sem asas. Morremos quando não podemos voar e cantar. Ficamos no despropósito, na cena muda quando deveríamos falar e cantar sempre aquela que desejamos o bem e o melhor no Amor.

sexta-feira, novembro 15, 2019

Sem mim (miniconto)










por Rafael Belo
Eu estava cansada de me despedaçar e me desperdiçar por aí. Fui atrás das minhas partes perdidas no passado. Não as reconheci. Nem acreditava de fato na existências delas. As encarei com a versão melhorada e moderna de Orfeu que sou. Só sou a outra parte deste amor. Sou Eurí apelido de Eurídice.

Eu estava em toda parte e já não era mais eu. Eu passei pelo meu passado em silêncio. Gosto dos meus silêncios, mas preciso expô-los depois. Sabe contar sobre eles. Vi o quanto eu estava presa em momentos sem valor, algo sem significado, principalmente agora. Neste presente transbordando ausências. 

Ouço as pessoas presas. Elas gritam com o corpo, com os olhos e eu ouço mesmo elas falando o contrário. Há uma forca montada nos olhares e elas confundem minha atenção com atração e eu tenho que usar a força do não, a força dos meus direitos para parar de fugir destes sufocamentos, destas solidões e destas coleções de momentos desagradáveis escolhidos para serem destacados… Mesmos os momentos bons sendo muito maiores...

Voltei a cantar e tudo se acalmou. Hoje é só mais um dia. Este é só mais um momento. Há tantos para serem criados, mas se não houver… Não vou ficar presa a este, mas vou aproveitar ele como se fosse o único, como se fosse o último porque é a realidade dele. Nós que vivemos desperdiçando nossa capacidade nos indispondo a segurar a liberdade e acabamos inseguros e presos. Prefiro colocar a cedilha em forca a ceder a este sufocamento e morrer sem o ar que eu preciso. Quero ver mais nos olhares. Viver com as pessoas mas sem precisar delas. Orfeu precisa saber viver sem mim. 

quarta-feira, novembro 13, 2019

presença










na brecha entre nós
existem tantos infinitos inexplorados 
deixando a solidão um momento desagradável
no tempo para si superestimado
ouvindo o cansaço dormir

há vários silêncios por aqui
a espera de qualquer organização
e quando um se organiza o outro se desorganiza todinho

sabe-se lá quantos nós quantos outros existem 
onde há tanto espaço entre estes sei lá com tanta gente misturada sufocando

são excessos de forca
na suposta força desperdiçada no acúmulo de desperdícios de toda hora errar o tempo do verbo da nossa ausência.

+às 23h29, Rafael Belo, terça-feira, 12 de novembro de 2019, Campo Grande-MS+

segunda-feira, novembro 11, 2019

Não se desperdice









por Rafael Belo

O cotidiano pede uma rotina. Relutantes, ou seguimos por segurança ou rejeitamos por esperança. Escolhemos, então, nos desperdiçar em um momento, em um sentimento, em um contexto, em uma forma e em uma interpretação. Nos limitamos. Podemos de fato mergulhar em um momento, em um sentimento, em uma situação, mas sem medir a emoção nem o impacto em nós mesmos e no outro é um reviver dolorido escolhido por saturação. Ou seja, por cansaço.

E cansar é fácil. É simples. É comum e necessário para entender nossos limites. Porém, serve para descansar e depois continuar. Viver cansado e deste cansaço é perder sempre. Basta desistir. Pronto. Não significa acabar. Dificilmente acaba. Há o depois. Há consequências. Nossos dias não são retas. São curvas cheias de ciclos e desperdícios. Desperdiçamos muito... Realmente há o se desperdiçar e desperdiçar o outro. Não como objeto, mas como potência. 

Esta capacidade de mover, de concentrar quantidade de energia no tempo, na velocidade de transformação ou, objetivamente, nesta força, neste nosso poder se ser, estar e, claro, confundir tudo. No momento de confusão, de chateamento, de tristeza, de raiva... Derrubamos nossa clareza, nosso raciocínio e abrimos brecha para derrubar a cedilha da força. Por isso, aperta, dá um nó na garganta, leva o ar desesperadamente… É a forca criada pelo nosso silêncio.

Sei bem ficar em silêncio. Há silêncios bons, silêncios ruins e aqueles nas áreas cinzentas não definidos por apenas dois lados de tudo. Dicotomias não existem. Protagonismos e antagonismos não são solitários. Relações sempre precisam de um escape. Nós não nos bastamos, dois não se bastam. Somos vastos. Qualquer coisa menos que vastidão, imensidão, é limitação, é sufoco e neste sufocamento é preciso se expor e ouvir o retorno. Vamos escolher não nós submeter, não nos curvar, não reverenciar um erro, "o único foco somente no desvio". Vamos quebrar o ciclo, abolir a forca, colocar novamente a cedilha e voltar a ser força

sexta-feira, novembro 08, 2019

Sonho eu (miniconto)











por Rafael Belo

Não sabia em qual realidade minha estava acordada. Eu sabia - desde criança - ser Outro Ser. Muitos Destes falavam comigo e eu sabia ter um parentesco íntimo com eles. Nada era falado. Eu sabia ter proteção. Não me lembro de qualquer tipo de mal me afetar ou sequer se aproximar de mim. Mas Elas, estas entidades, sempre mostraram como o mal era sorrateiro e estava em toda parte, porém sempre minúsculo.

Elas me fizeram forte. Assim eu pensava até… Até o contrário se mostrar verdade. Elas me chamavam destemido. Eu, órfão humano, não era humano. Hoje finjo que sou. Meu nome revela minha origem para quem conhece a origem de onífero. Nixa Ébana Morphan. Meu sobrenome dizem ser obra do meu tio e do meu pai um é Phantasos e o outro Morpheu.

Certa vez eles se uniram para evitar o fim do meu outro tio, Ícelo… Nunca… Quer dizer eu sempre o conheci. Só descobri há pouco… Ele era muitos humanos e pesadelos na minha vida, mas sempre se apresentou como Fobetor. Só nunca me assustou. Nunca me instigou medo algum. É tanta mitologia ferrada neste mundo… Olha só, eu sou a Antimedo e nem consegui falar de mim.

Sou uma espécie de coragem. Só que não. Porque coragem não significa sem medo. Pelo contrário.  É pegar a mão do medo e ir onde ele teme mesmo assim. Eu inspiro Confiança. Sou a noite. Quando você está sozinha e precisa de Confiança. É como me chamam quando lembram exatamente onde me colocar. Eu sempre chego antes do fim do dia. Eu te ajudo a dormir. Mas você precisa me ouvir, acreditar em mim.

Sonhe! Não deixe a insônia ganhar teu descanso. Eu estarei contigo antes, durante e depois. Sou seu sonho também. Não há o que temer!

quarta-feira, novembro 06, 2019

Sufoco










na mesmice diária explodiu
erupções de si jorraram 
depois do cinza escuridão
novos continentes para habitar

o medo desembestado sussurra
ganha a luta por dentro
perde a próxima batalha

guerra declarada no nervoso falatório
todas as impurezas querendo ficar

tão justas no corpo que temer vai sufocar.
+Às 06h25, Rafael Belo, quarta-feira, 06 de novembro de 2019, Campo Grande-MS+

segunda-feira, novembro 04, 2019

O justo é cobrado










por Rafael Belo

Há um medo atrapalhando a gente. Vejo por toda parte algo visível não acontecendo por medo de aumentar as responsabilidades ou o não querer lidar com o não. Esta ausência de compromisso, esta covardia nossa diante nossas possibilidades profissionais e espirituais nos faz responsáveis pelos desacertos nas nossas vidas. Todos estes erros e turbulências não são gratuitos, são frutos plantados e negados por nós. Temos sérios problemas de diferenciar os momentos do sim e do não.

Esperamos ser reconhecidos e não conseguimos falar, lutar, exigir nossos direitos. Queremos milagres mas não agradecemos sequer pelo nosso respirar, queremos o melhor mas nos esforçamos o mínimo possível, damos o nosso pior… Queremos atenção e carinho, mas só oferecemos cobranças, discussões e exigências porque temos medo. Medo de ser cobrados, medo do não, medo de não conseguir, medo de tentar, medo do medo… O medo é um tema sempre usado porque ele sempre atrapalha quando o deixamos dominar.

Como sermos 100%, atingir o melhor e depois ainda melhorar se estamos travados, se não conseguimos ter humildade e educação, se não nos indignamos, se não reagimos ao que consideramos ruim, mal e desonesto? Tememos tanto perder que não vivemos. Temos medo da vida…! Alimentamos este medo diariamente e, se pararmos para pensar, nossos governantes também. São prometidas tantas soluções, mas temos medo de cobrar e no fim só mudam os nomes, as atitudes seguem as mesmas… As nossas e as deles.

Todos os dias eu tenho medo, mas respiro fundo, converso com Deus, confio e faço. Não sai como eu imagino. Sai bem melhor ou nem acontece ou, pior, sai totalmente ao avesso… Então, eu fecho os olhos, respiro mais fundo ainda e sigo confiando. É clichê, talvez muita burrice, confiar na palavra das pessoas, no combinado com as pessoas… Hoje muitas crianças não acreditam, mas eu sim. Eu prefiro ver o bem, o bom, o positivo, prefiro nos ver como irmãos de um mesmo grande e misericordioso Pai e acreditar estar fazendo minha parte, dando o meu melhor, independente das outras pessoas estarem retribuindo, mas já não sou o bonzinho calado que diz estar tudo bem. O que é justo será sempre cobrado.

sexta-feira, novembro 01, 2019

O Fim (miniconto)









por Rafael Belo

Eu já me apresentei como a maior idiota da Terra. Mas hoje eu entendo que esta disputa é injusta. Não há como disputarmos uns com os outros. Nossa idiotice é privada. É tão particular que é melhor generalizar o idiota. No meu caso, a idiota. Continuo aqui pressionado por outro idiota e as pessoas ficam só assistindo. Você também deve estar online em algumas das lives aqui.

Eu dei sinal. Eu acionei a seta para mudar de faixa e este idiota veio se aproveitar da minha idiotice. Achar ser possível ter paz e educação… Ninguém quis se envolver. Foi minha palavra contra a dele. O senhor Juiz. O Fodão. Disse que eu joguei o carro em cima dele e todas estas pessoas morreram e… Não importa! Importa sim! Só sobrevivemos nós dois… Eu não entendo. Ele estava muito distante quando dei a seta. Ele acelerou para eu não entrar na frente dele e… e… Como centenas de pessoas morrem por causa de um idiota? 

Sempre foi assim comigo. Desde que me descobri idiota, na verdade. Eu mergulhava em qualquer lugar e me quebrava tudo. Parece que tudo para mim é sempre raso. Não há fundo, não há profundidade… É tudo plano, é tudo superfície. Toda vez que eu me pratico, ou seja, cometo um idiotice, uma série de evento dramáticos se seguem e se tornam fatalidades iniciais e tragédias terminais. 

Eu finjo não saber. Esta premonição da minha realidade completamente idiota criou uma série de efeitos. Eu sou a idiota final, a Exterminadora de Idiotas e só uma idiota para entender outros. A série de eventos ainda não terminou. Quando o carro do Juiz Fodão tentou desviar do meu houve um susto generalizado como uma epidemia de ações idiotas coletivas. Com capotamentos, surtos psicóticos, ataques de raiva, descontrole, atropelamentos, desabamentos de prédios, assassinatos de todas as formas e nas últimas horas começaram os sinais de fumaça e as explosões. A gritaria quase abaixou o volume, mas neste momento estou acreditando que as portas do inferno se abriram. Agora as explosões deste efeito dominó estão voltando… Resta saber se vamos acabar com todos os idiotas e quem estiver gravando morre por último ou se isto será só um aviso apocalíptico que ninguém vai acreditar até ser o clichê do tarde demais.

quarta-feira, outubro 30, 2019

Eumundo











no olhar parado no horizonte
queima a mente alimentada
mastigando tantos nadas adoentando
vagando uma presença no lugar

há uma fogueira só de fumaça
acompanhando olhos e pensamentos
agindo em um reinado sem fim da vaidade idiota

o invisível fogo queima o bom em mim
todo encharcado de um bem desapropriado 

acabo mau em meu eumundo devastado sem posses do mal afundado na superfície tão fundo que o raso é alto-relevo é irrelevante.

+às 07h13, Rafael Belo, quarta-feira, 30 de outubro de 2019, Campo Grande-MS.+

segunda-feira, outubro 28, 2019

Somos idiotas








por Rafael Belo

É loucura. Só pode ser. É melhor que a alternativa. Esta é nossa constante afirmação diante de algo ao qual não queremos acreditar andando como se fôssemos pessoas embaçadas, sombras de nós mesmos… Preferindo ser idiotas a práticos e educados. No trânsito mesmo é o sinal da revelação das pessoas. É o sinal da preferência por si sempre e por defender um espaço supostamente nosso, supostamente particular, não damos preferência ao outro, não cedemos, preferimos esbravejar e não respeitar nem as leis nem o outro.

Nossa idiotice cotidiana realmente chega a ser  insana. Não há ganho, não há objetivo, não há sentido, não há motivo para uma alteração de humor contida de enfrentamento. O trânsito é o melhor e o pior exemplo disso. É como se fôssemos possuídos pelo desrespeito e pela marcação de território. Como se ainda nos escondêssemos nas cavernas esperando a noite para atacar ou reunir um grupo para dominar. Mas ao invés disso, estamos atrás dos volantes, dos guidões… Das palavras, dos status, das mídias digitais.

Eu diria que nunca fomos tão idiotas. Seria errado dizer. A verdade é: sempre fomos. Agora só é vmais difícil esconder. Se você sinaliza uma mudança de faixa e a outra pessoa dirigindo ou pilotando acelera ao invés de diminuir qual é o nome disso? Por estas atitudes mesquinhas e diminutas… Tão pequenas morremos cedo. Uma raiva, um rancor totalmente sem propósito nos adoece. Nossa sociedade está doente porque nós estamos doentes.

Não é idiotice agir de uma maneira que poderia ser evitada? Algo totalmente desnecessário por orgulho? Por ego? Por não querer ceder? A paz não é melhor? A vida não é melhor? Em qual local batemos a cabeça, afinal? É totalmente entendível termos mágoa, raiva e rancor, mas vai além alimentarmos isso. É uma construção para a destruição. Onde está a educação, a cortesia, o sorriso? Alimentamos nosso demônios pessoais criados no nosso peito e na nossa mente para no final nos resumirmos ao raso, ao idiota.

sexta-feira, outubro 25, 2019

Quero ser a última (miniconto)







por Rafael Belo

Havia uma total ignorância por aqui. Eu me arrastava tentando não me concentrar nas feridas e sequelas de se acomodar, mas a dor era insuportável. A dor era insuportável, mas era incomparável o quanto me incomodava imaginar com tanta certeza o que não haviam dito.

Eu estava em conflito com tudo isso. Alguém ia pagar pelo meu incômodo. Alguém ia ter que saber o quanto eu estava machucada… Veja como não há respeito mais. Basta ver como a intolerância me deixou… Só porque eu estava incomodada. Estou incomodada. Como não estar?! É tanta burocracia para a Justiça funcionar e, logo eu, a própria Justiceira impedida pela Burocracia.

Agora com estas armas em punhos me libertei. Tomei tantos remédios para aliviar minhas dores. Dores físicas causadas pela imprudência, o desrespeito e a bagunça dos poderes. Dores emocionais só por ser mulher, negra e pobre. Dores da alma… É um massacre diário feito para nos perder.

Mas agora que estou disposta  a matar, não me sinto no direito de tirar a vida de ninguém… Vejo medo e raiva como um espelho aqui ao meu redor. Só sobramos nós em todo o planeta. Eu devo exterminar o que seria o restante da humanidade? Todos não estão como eu? Se eu hesitar mais um momento eu serei a primeira e eu quero ser a última. Pela primeira vez na vida eu quero ser a última… Só não entendo por que a Esperança não morreu ao invés de ficar se reafirmando em mim.

quarta-feira, outubro 23, 2019

ninar do silêncio










o desacostume se acostumou incomodado
coceira sem tamanho na mente
demente em pequenez acomodada
cômodo desnecessário no meio do caminho

cômoda sem propósito sentada no desrespeito
sujeito imóvel sem sombra
inflado de um ego próximo ao sol

até cair feito Ícaro perdido
achando a solução na queda

sol sob sombras da paz aquietando no ninar do silêncio o incomodar constante.

+às 16h, Rafael Belo, Campo Grande-MS, quarta-feira, 23 de outubro de 2019+

segunda-feira, outubro 14, 2019

Nao deixe de se incomodar







por Rafael Belo
Já reparou como estamos incomodados? Olhe bem e terá certeza. O que mais nos incomoda é o que incomoda os outros. Ser questionado, ser acusado, ser descoberto, ser enganado, mentir, demonstrar fraqueza, não saber o que está acontecendo, ser esquecido, abandonado, ignorado… Esta é a importância exagerada dada a nós mesmos. Um ego suposto de intocados… Esta grandiosidade fazendo sombra na nossa pequenez nos faz nos achar e é aí que nos perdemos esquecendo que somos todos iguais e a igualdade é o que deveríamos procurar. 

Procuramos, no entanto, disputas, competições, ser o melhor… É uma boa meta, mas só se for pelo melhor possível em nós. Quando focamos em ser melhor que outro alguém além de nós mesmos o fim fica cada vez mais distante ou próximo demais… Fazemos mal ao outro e a nós mesmos, principalmente se não identificamos os problemas e não encontramos as soluções porque de nada adianta apontar as dificuldades, os defeitos, os problemas sem saber ainda como encontrar as qualidades, "facilidades" e soluções.

Eu me incomodo com estar acostumado. Não me incomodo com o outro em si. Porém, quero estar incomodado com situações, ações e inações para não me acomodar, para não fazer o cômodo, mas o melhor. Livrar-me dos meus vícios, implementar minhas virtudes. Somar e não diminuir. Multiplicar e não dividir - a não ser que seja dividir com o próximo. Quero encontrar soluções. Não quero ficar reclamando nem ficar reforçando os problemas. Quero agir. Não quero me incomodar com o outro e sim comigo, com cobrar sempre de quem nos representa porque a função dos eleitos é melhorar nossa qualidade de vida e o direito aos serviços básicos.

Mas não podemos esquecer de fazer o básico: respeitar o próximo. Ouvir, entender o outro lado. Não criar desentendimento. Tentar entender a situação do outro. Discordar sim, dividir não… Hoje não temos mais solidariedade pelos que não são família, amigos ou conhecidos, muito menos empatia. A falta disso me incomoda. Precisamos de pensamentos diferentes no mundo. Não precisamos do ódio, da discórdia e do rancor. Não precisamos de violência, de agressões gratuitas, de fofocas… Somos todos diferentes com direitos iguais e procurar a paz é o início do caminho das soluções.

sexta-feira, outubro 11, 2019

Hoje e ontem fora do tempo (miniconto)









por Rafael Belo

Não sabia de onde vinha a dor. Só via o céu em um azul opaco ressoando a dor irradiando por todos os fatos, finalmente responsáveis pela minha surra. Minha queda… Aqui grudada no chão… Destruída… Ainda ouço a Batalha pela Vida continuando, sem fim, sem mim… Então, não há destruição. Há sequelas, há sangue, há esta gritaria, uma construção desfigurada  e… Tempo. Todos eles são meu alimento. Já estou pronta para passar perto de cada um de vocês mas…

Será que não posso ficar aqui um pouquinho ? Lamentar porque tenho responsabilidades para assumir? Posso me fingir de morta? Queria ficar em silêncio, mastigar minha mudez, conseguir todo meu querer, na minha pressa, no meu tempo, no meu agora… Neste meu eu destruída em um particípio passado, eu estou tão deslocada na incompreensão. Sem mim como construir? Tudo que construí já não é nada ou é quase um infinitivo acordado para a batalha.

Porém, chega né?! Ninguém está me ouvindo porque não podem também.  Levantei-me com todo grito da minha dor… Ainda assim ninguém ouviu. Realmente não podem, mas isto desperta minhas irmãs, enfurece meus irmãos, mas meus pais estão muito além disso. Nem alteram os temperamentos já sabem todas as coisas. São também todas as coisas. São três. São um. Eu tenho minha função. Eu tenho minha missão… Já estou em pé. Já sou necessária.

Veja agora a cidade… Está vazia. Eu cheia.  Destruir-me é a destruir. Eu a destrui. Esta missão é inglória? Não! Destruir é tão bom ou melhor que construir. Mas destruir por destruir é anulação, inexistência imediata…! Destruir com propósito é diferente. É minha força. É construir. É tempo de destruir e esta mania de dizer que também sou Construção, me destrói, me surra e me surta porque ninguém pode saber…

Será que ainda existe cidade ou pessoa para eu destruir? Deixa eu silenciar para ouvir onde agora devo ir. Ainda resta Humanidade para destruir? Sou a Destruição hoje, ontem era Construção. 

quarta-feira, outubro 09, 2019

esconderijo









Caem os céus se abre a terra
a destruição do não construído 
interrompido pela pressa olhuda
mudando o tempo em dilúvio

nestas mudas da inundação
não há roupa capaz de cobrir
nenhuma voz sai da nossa mudez

saiu o silêncio pelo deserto na real loucura da realidade insensata
o dito fato é desdito pela voz ingrata procurando a verdade gratuita

atualiza-se o aplicativo esquecido na tela desligada dos nossos olhos
todo o visto visto até o brilho desviar o olhar na fuga contínua de se esconder do tempo.

+às 07h11, Rafael Belo, quarta-feira, 09 de outubro de 2019, Campo Grande-MS.+

segunda-feira, outubro 07, 2019

Destruir e construir o dia









por Rafael Belo

Estava pensando em um frase atribuída a Emmanuel: “O tempo destrói tudo aquilo que ele não ajudou a construir”. Atualmente, eu só escuto as pessoas reclamando do tempo, principalmente da falta dele. Eu vejo o quanto ele nos faz falta… Nas atualizações da vida a reclamação é a mesma. Mas esta nossa vontade de abraçar o mundo, abafar as dores e sair atropelando a forma como nós e os outros lidam na execução das propostas do cotidiano distanciam qualquer reflexão até sair tudo das nossas mãos.

Um descontrole vindo da falta de planejamento, da falta de capacitação, da falta de...  E as desculpas não são a falta de prioridades, segue sendo o tempo. Eu teria um pouco de pena do tempo se não acreditasse que ele destrói tudo aquilo que ele não ajudou a construir. Como desorganizado que somos não damos tempo ao tempo nem a nada praticamente. Queremos tudo para ontem pedindo para agora e o resultado tem a qualidade que poderia ter? Não. Sem tempo não há sequer planejamento.

Pensei na linha do tempo deste sete de outubro de 2019 e percorri algumas décadas. Neste dia, há 65 anos, em 1954, quando Marian Anderson tornou-se a primeira cantora negra a ser contratada pelo Metropolitan Opera ela queria ser a dona do seu tempo e revolucionou primeiro os Estados Unidos para depois mostrar ao mundo que questões raciais e sociais persistiram, mas seriam destruídas pela reação do tempo.

Também reagiu o tempo com superação e dom quando há exatos 48 anos, o brasileiro Henrique Costa Mecking, o Mequinho, com 19 anos de idade conquistava o Campeonato Internacional de Xadrez na Iugoslávia e hoje é o maior enxadrista brasileiro de todos os tempos. Ah, ele também foi o terceiro maior jogador do mundo... Quando pensamos sobre propósitos e Deus… Como temos nos preparado para o objetivo que desejamos atingir? Como temos nos dedicado aos familiares, aos amigos, ao amor? Quanto temos dado paz a nós mesmo? Há 22 anos, o telescópio Hubble descobria uma estrela quase dez milhões de vezes mais brilhante que o sol e este brilho inimaginável também pode ser descoberto dentro de nós. A vida não é aleatória  Não tente a sorte. Construa com o tempo porque tudo está ao alcance da nossa trajetória e fugir da nossa missão muda o tempo.

sábado, outubro 05, 2019

(In) diferença (miniconto)








por Rafael Belo

Fiquei contando o tempo vestido na palavra alheia. Sentada na beirada de mim onde o vento me puxava para cima e aos poucos eu subia enquanto cada palavra caia. Eu sou assim o Detalhe. Meu nome é Detalhe e, leve como sou, flutuo fácil. Vejo de qualquer distância os detalhes. Eu sou responsável por eles e como partes minhas não os perco, nego nem ignoro.

Meus detalhes se perderam e eu não os deixo desanimarem. Conversando com você aqui neste ar rarefeito você vai explicar esta conversa como ilusão… No futuro. Mas deixará todos em dúvida por contar tantas de mim. Vão dizer ser loucura e você como única prova, uma hora vai deixar de acreditar neste passado também. Mero detalhe porque eles vão ficar indo e vindo…

Como este sentimento no peito. Eu me apaixonei pela pessoa Indiferença porque ele não exige nada sabe e não se importa com meu interrogatório sem fim. Contei isso, porque é o motivo dos detalhes não fazerem tanta diferença nesta atualização… Ele, Indiferença, é contagiante. Ficamos todos distantes. Fica um acúmulo de ausências e só quando se percebe meus detalhes faz sentido.

"Detalhe… " Você ouviu? Ele me chama… Que tipo de efeito no mundo teria se o Indiferença se apaixonasse por mim? Será que eu me perdi em mim mesma e estou mentindo ou por ter me perdido pareço uma mentirosa? O Indiferença me ama e, portanto, não faz diferença… Mas viver sem motivo, sem fazer diferença é viver? Não seria como viver para si mesmo sem nenhuma pessoa para saber feitos, defeitos e… Bom vou deixar o vento me levar. Deixe Indiferença se anular por ele mesmo. Você já pode descer ou vai chegar lá embaixo só quando anoitecer. 


quinta-feira, outubro 03, 2019

Inconsciência









Por um detalhe passou as mentiras
acreditou-se na nudez obscura coberta
vestiu-se como roupa íntima e de conforto sobre esta
aconchegou-se ao entardecer sem conhecimento de si mesmo

passou-se adiante com medo de ficar
estava distante quando despercebido
era intensa distração das importâncias

tantas desimportâncias desapercebidas...
as quais agradeço o despreparo deste eu

conto minhas terceirizações em nunca mais quando esqueço-me outra vez 

contabilizando não usou-se em primeira pessoa nas oportunidades indiferente a diferença onde incomodo-me na minha ignorância.

+às 12h09, Rafael Belo, quarta-feira, 02 de outubro de 2019, Campo Grande-MS+

terça-feira, outubro 01, 2019

Detalhes







por Rafael Belo

Uma palavra. A ausência desta. Um gesto. A falta deste. Um olhar. O desviar dos olhos… São detalhes capazes de mudar tudo. Enquanto a gente tem uma pressa desnecessária e despercebidos seguimos. A menos que acelerar seja para salvar vidas, aí nada passa ou pelo menos não deveria. Mas estamos vivendo no extremismo repleto de excesso de passado, excesso de presente e excesso de futuro, desconhecendo de imediato onde está a mentira. Porém, se prestarmos atenção saberemos. São os detalhes.

É quando nós percebemos desapercebidos. Não é a mesma coisa que despercebidos, este estado de distraídos crônicos que estamos. Estar desapercebido é não estar preparado, não ter cautela, não ter cuidado, não ter precaução…  Estamos além de despreparados, distraídos. Claramente os detalhes nos escapam assim. Então, nos apegamos a momentos passados, reviver ao invés de viver. Paramos ao menor sinal de dor, de obstáculos, desperdiçando nosso tempo e espaço mesmo as oportunidades voltando a acontecer porque pessoas não são desperdícios.

Nos agarramos a um sentimento e esquecemos todo o resto. Como se quiséssemos viver aquilo como único, mesmo este sentir sendo prejudicial não só a nós mesmos como aos outros. Não é uma mentira? Estamos mentindo para nós mesmos e nos incomodamos com a mentira dos outros… Temos ainda aquele medo das pessoas das cavernas. Medo de sairmos do conforto do lar confiável e aquecido onde até uma sombra de fora nos assusta. Se somos de bem e do Bem não podemos nos ausentar, no silenciar e nos trancar distantes da realidade.

Somos a diferença, somos o Jardim, mas vivemos no orgulho correndo para acumular as riquezas erradas nos levando a ausência das nossas possibilidades, das nossas potencialidades, somos responsáveis pelo mundo onde vivemos e se temos algum conhecimento, alguma clareza sobre algo, devemos ajudar o próximo a ter também. Somos os detalhes para acabar com as mentiras e não criá-las e espalhá-las. Como podemos ser o detalhe para mudar?