por Rafael Belo
“Não deveria estar
lotado este ônibus. No dia do trabalhador e uma sexta feira... Feriados deveriam
ser vazios como a maioria de nós”, pensa Silvio olhando para a multidão
estranha ao seu redor em contraste a ausência lá fora. Mas, não havia bancos...
Deixando espaço para ainda mais pessoas. O cobrador também era um espaço em
branco ocupado. O motorista não se via, havia escuridãoem seu lugar.
Todo lugar deixado
vazio é imediatamente ocupado. Não importa bondade ou maldade toda a
complexidade sai da superfície destas definições por isso, a lógica não faz
parte das ações e do coração. Um amontoado de sombras... Sombras de outras
sombras. Este é (era) Silvio. Ele não deveria estar ali pela lógica. Mas, a
vida não é matemática. Silvio havia morrido há pouco.
“Estou mesmo morto?
Morrer é assim, então...? ” Questiona enquanto sente seu cheiro. Ele fedia
mesmo quando vivo. Desde que a escassez de água começou até agora quando a substituíram
pela dengue e os 50 anos da Globo. Ele vivia isolado, morria assim também.
Isolado e desolado pela própria aridez. Antes não costumava olhar ninguém nos
olhos...
Agora com seus olhos
murchos e opacos o fazia e parecia ver a mesma ausência de vida no olhar de
volta a fixar lugar nenhum. Eles não se mexiam mesmo na velocidade inesperada. Tão
rápido ia o ônibus que em algum momento
Silvio achou ser parte do clandestino exibicionista clube 299 (km/h).
Quando conseguiu fixar
o olhar nos borrões parados lá fora reconheceu muita coisa. Lembrava de não ter
qualquer memória de como acabou sentado no fundo do ônibus. Então a única luz
que conseguiu enxergar acendeu vagamente em seus escuros olhos: minha carona para a morte... Sexta-feira é
dia de rodízio de carros... E viu vário oitos e noves (todos no coletivo)
que o acompanhariam para o inferno deles no ponto final.
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