por
Rafael Belo
Foi
um flash. Mais carros indo a toda velocidade em plena manhã de sábado e um
casal de meia idade - ela morena, ele não – caminhavam na rua. É na rua! Um apoiava
no outro em um meio abraço protetor. Não entendi a dinâmica possível ali, mas
era óbvio ser uma prática constante o resultado daquela sincronia incrível. Ambos
eram deficientes visuais e portavam bengalas brancas flexíveis tocando para
todo lado o chão irregular. Os olhos deles estavam naquele movimento plástico e
constante. Infelizmente a sensação, ao mesmo tempo de triunfo pela independência,
era de indignação e medo por eles.
Segui
com um olho à frente e outro no retrovisor. As calçadas sem piso tátil, irregulares,
curtas em contraste com ruas largas esburacadas só demonstravam - e demonstram
- o quanto a cidade cresce vergonhosamente para os veículos, para os prédios,
para o fluxo de veículos e reduz os espaços para as pessoas. Não se fala de
transportes capazes de agilizar e facilitar a vida dos cidadãos esmagados por
motoristas mal educados, egoístas e com uma prática assustadora no trânsito. São
só tarifas aumentando e limitando os direitos de todos. Aquele casal superava
as deficiências do corpo e da cidade.
O
fato simples de caminhar durante uma manhã, pensando bem, é cheio de limitações
para nós que na pressa acabamos cegos e apenas desviamos dos obstáculos,
olhamos para o outro lado e seguimos fazendo as mesmas coisas, reclamando dos
antigos problemas, passando pelo caminho de ontem, hoje e amanhã empurrando a
vida para o próximo dia mecanicamente conectados a rotina rezando para a
sexta-feira chegar. Mais dos mesmos diariamente ignorando a própria limitação
de reconhecer a olimpíada imposta pela cidade para superar fazendo alguma
coisa.
Fico
entre orgulhoso e pesaroso sem conseguir retirar da mente a imagem do casal com
deficiência visual vivendo do apoio mútuo e sofrendo as consequências da cidade
enfrentando em pé e de cabeça erguida, simultaneamente, o presente e o porvir na
contramão do fluxo ignorante de veículos lotados de, praticamente, uma pessoa
cada. Os vejo vir e depois continuar corajosos enxergando a vida com as mãos,
os pés, o nariz e, principalmente, os ouvidos como nosso ser visual pouco ou
nada entende. Fico lembrando que ainda vamos todos enxergar porque é preciso se
privar para realmente compreender o que faz falta de verdade.
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