por Rafael Belo
Ninguém
caminhava pelas ruas àquela hora da manhã. Talvez pela quantidade de carros,
talvez pelo clima deserto, provavelmente por ambos. Por isso, quando aquele casal
surgiu anonimamente no próprio estilo de escuridão, poucos motoristas prestaram
atenção. Todos temos nossas limitações, nossas escuridões, nossas deficiências,
mas quem imagina eliminar quem possui deficiências na sociedade atual? Afinal, não
somos tribos... Falando deste jeito... Preciso discordar de mim mesmo. Somos tribos
e cada vez mais de uma pessoa só.
Algumas
pessoas se rendem a escuridão em si e se satisfazem apagando as luzes do mundo.
Àquele casal era cego... Andava perigosamente na rua ignorando a cegueira de
quem enxerga. Mas, os dois pressentiam uma mudança brusca na já adaptável vida
deles. Há quem acredite em intuição e há quem a tenha. Os sentidos de quem é
privado de um são altamente apurados para compensar e o ser humano pode ser
incrível e terrível. Naquela manhã, ambas as faces da humanidade se chocaram.
Foi
um choque capaz de tremer por dentro quem estava próximo. Mas, na pressa poucos
prestaram atenção realmente. A reação era robótica, totalmente mecânica e
distante: mais um acidente? Espero que
ninguém tenha se ferido. Segue em frente... Mas, sim. Houve feridos. Havia uma
detestável pessoa responsável pela morte de tantas pessoas com alguma
deficiência física. Elas eram consideradas desaparecidas porque esta escuridão
ambulante “dava um jeito” nos corpos. Quando ela viu o casal no meio fio, por
falta de calçada, andando confiante e tão amoroso com as bengalas – apesar de
todos os pesares – ele simplesmente acelerou e viu a imagem dos dois aumentar,
aumentar, aumentando, então, o impacto e o vazio.
Não
foi o casal com os sentidos apurados atropelado. Aliás, ninguém foi. A mente de
uma escuridão ambulante só pode ser distorcida e delirante. Realmente, ela
partiu para cima acelerando no maior estardalhaço, mas Ame percebeu antes e sem
pensar muito jogo seu Jeep, alguns
metros antes do casal, na lateral daquele Sport
com o objetivo tão repugnante. A motorista Hate foi arremessada na parede
da fábrica e já se misturava ao frio da lataria frágil antes de toda a fábrica
desmoronar. Ninguém viu onde foi parar o casal.
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