sexta-feira, dezembro 16, 2016

Mundo mudo (miniconto)




por Rafael Belo

Nenhuma resposta audível nem gestos, só o silêncio. Mas, por dentro Lumi iluminava, tagarelava, cantava, criava, talvez não haja nenhum registro de uma inteligência como a dela. Porém, ela não desejava interagir ou mostrar para alguém todas suas criações. Lumi guardava tudo, ou melhor, escondia. Era segredo sua real personalidade. Ela não é quem finge ser. Lumi não fala de passado ou de presente. Para o mundo é muda. Nem mesmo os pais sabem, ainda que os médicos garantam ser psicológico o motivo da mudez, eles não admitem ter uma filha “louca”. “Meu Deus, não!”. Era melhor a mudez.

Eles tinham medo dela e a deixavam só com os pensamentos de Lumi. O combinado silencioso era ótimo para ela. Ela subia no último quarto, do último canto da casa onde somente ela tinha acesso e apagava o mundo. Não, não. Nada disso, ela iluminava o mundo com poesia, romances, composições, com a própria voz e aquelas saindo dos instrumentos musicais, pinturas, coreografia... Ela se bastava. Não, não é verdade. Não havia única alma capaz de imaginar tanto talento acumulados em um só ser. Mas, Lumi não se permitia sofrer.

Lumi acha um desperdício conversar quando pode ouvir e mostrar arte, artes mais precisamente. Lumi não é uma só, é incontáveis. Por isso, não é justo a acusar de não ser a própria real personalidade. Ela o é em parte. Uma parte precisamente precária. É o pior dela porque ele pensa ser isso que as pessoas merecem. Só dá para o mundo indiferença e é indiferente com as pessoas. Não faz diferença para ela. Bem... Ela vive repetindo não fazer. Mas, talvez seja verdade ela não tem simpatia e nenhuma empatia. Não é possível saber. Ela é totalmente isolada.


Nada é irremovível. Nada é constante. Houve um tempo no qual Lumi era livre, especulativamente falando. Todos os registros dos cinco anos dela foram apagados. Lumi compunha as próprias músicas e esperava a reação espantada das pessoas e, no início, maravilhadas, mas logo deixavam de achar uma gracinha para “como é possível”, “que criança esquisita”, “ninguém a força?”... Era destruidor para a pequena Lumi que hora via seus pais explorarem esta peculiaridade dela, hora babarem de alegria e hora temerem. Ela desde então, nada faz em público. Até neste momento que chega sua prima, muito parecida com ela e se encaminha – sem ninguém ver – até o quarto secreto de Lumi.

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