sexta-feira, dezembro 02, 2016

Outras formas (miniconto)




por Rafael Belo

Maritah corria pela vida. Ao redor a morte a cercava. Ela descia as escadas enquanto os muros desabavam e ofegante não podia parar. Já tinha até se esquecido dos motivos que a levaram até aquele terraço. Ela se sentia o próprio edifício, mas porque eram precisos 200 andares com praticamente 1000 metros... Mas, com o nome de The Kingdom Tower era de se esperar... Torre do Reino... Tudo isso acontecendo daqui a quatro anos sem nem imaginar estar na Arábia Saudita.

Aquele 1 km descendo não devia ser nada para Maritah. Ela era maratonista, mantinha a boa forma, corria de manhã e à noite. Eram quilômetros e quilômetros na esteira e sempre que possível repetia a travessia pela cidade, de uma ponta a outra, sem nem perceber. Maritah era como as outras pessoas... Procurava formas de ser forte e evitava expor as fragilidades e, uma hora ou outra, acabaria acontecendo uma implosão. Ela não acreditava em psicólogos e em falar, só em agir, em fazer, em se destacar... Mas tudo muda tão “de repente”.

Não queria estar sozinha. Ah, Maritah... Tão teimosa! Há tantas frustrações em conflito com as conquistas... Não falar do assunto é o mesmo que... Eu plantei tudo e, infelizmente, à noite o teto me mostrava o cultivo de sucesso. Ainda sem colher, aquelas frutas amadureciam e caiam sem estragar, mas me estragavam... Estragam. Quis chegar as nuvens com bagagem demais... Óbvio que cairia... Não! Não! Não! Não! Não! Eu assumo minhas fragilidades! Sou um ser humano frágil e a mesma fragilidade me faz forte.

Não deveria estar cansada. Vou ter que assumir que é psicológico, meu coração não deveria estar tropeçando, mas trotando como um cavalo livre em seu próprio campo aberto. Preciso chegar ao chão... De elevador levaria alguns segundos, mas não teria graça... Não me importaria de ser sem graça por um dia... Quem instala escadas em uma torre/residência deste tamanho? Que ideia heim! Que ideia! ... Mas estou me referindo a mim ou aos construtores, ao arquiteto ou ao Criador...? Ninguém me obrigou a estar aqui girando nestas espirais e estes detestáveis degraus iguais... Ah, o chão! Só vou deitar um pouquinho... Não tenho que me afastar pelo menos dois quilômetros?... Mas é uma implosão não um desabamento... Vou me afastar mesmo assim, há outras formas de chegar às nuvens.

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