quarta-feira, março 15, 2017

Desrrobotizar (miniconto)




por Rafael Belo

Há dias Lela acordava faminta, mas não comia nada. Saia do esconderijo e se imaginava comendo todos os seus desejos, todas aquelas opções e não fazia escolha alguma. Iria morrer no dia seguinte. Enquanto isso, imaginava todos os seus relacionamentos intimamente amorosos se enfileirarem diante dela para a pressionarem a escolher de uma vez por todas. De formas tão distantes da realidade a ponto de ser comparado ao ex-planeta Plutão. Mas, não havia a mínima razão ali.

Toda aquelas representações seriam alocadas por Freud e seria ceci n’ est pas une pipe. O famoso isto não é um cachimbo de René Magritte. Isto não era uma vida, era representação de uma parte ínfima, pequeníssima da possibilidade de sobreviver. Lela estava longe sem nem sequer cogitar contar a alguém sobre o próprio fim. Sentia-se pela primeira vez sobre controle sem estar realmente porque agora precisava ficar descontrolada. Todo o controle era só imaginação diante de escolhas parciais feitas por Lela.

Nunca abriu mão de nada e colecionava somente as partes vazias dos copos meio cheios. Olhava em desespero pela primeira vez para si e via, não se encontrava. Não sabia onde estava. Havia tantas opções de quem era e ela, em espera, escolhia incertezas. Saia de cada relacionamento antes de desandarem. Previa, seriam como os anteriores. Então, quando sentia os sintomas espreitarem, não permitia nem se aproximarem. Terminava para não sentir dor e sentia toda ela.

Olhava pela janela tão pequena da própria cela diminuindo e não se responsabilizava. Não se sentia responsável por nada. Agora vagava uma gota d’água no oceano… Ainda assim não se importava e queria entender o motivo da desimportância. Entendia, Lela, estar desconectada por opção. Na verdade tinha medo do turbilhão de sentimentos juntar a gota isolada com todo o oceano acenando ela porque era ela toda aquela imensidão. Com a compreensão buscou e encontrou todas as lágrimas a desrrobotizando.

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