sexta-feira, abril 14, 2017

O apagar das luzes (miniconto)





Por Rafael Belo

o blecaute era global. Sem motivo algum. Estava tudo funcionando normalmente quando aconteceu há exatos 30 dias. No ano anterior o sol mal apareceu. Foram quase 300 dias chuvosos. Lógico. Os conspiradores e seus teóricos teciam fins do mundo diários. Mendigos e histéricos levantavam placas hollywoodianas do apocalipse, da segunda vinda de Cristo, da Terceira Guerra Mundial, saudações aos extraterrestres e outras quase loucuras assim. Marilau Mires, estava observando o mapa  criado por ela. Lá constava hora, local, situação no momento no qual se iniciou o apagar das luzes. Sim. Não foi geral como o Governo quer impor à nossa sutil imbecilidade.

Demorou cada um dos inteiros 30 dias para Lau conseguir chegar ao ponto na qual a deixamos. Nada funcionava. Nada, nada e nada. Nem wifis nem dados nem sequer ligavam os celulares. Lau ligava os pontos e quando seu raciocínio estava prestes a acender, uma luz ofuscante veio cegar. Tão forte estava a procura a ponto de Lau se sentir entrar em combustão. Algumas coisas espontaneamente explodiam ou se consumiam. Foi como um concussão  após estar correndo e bater de cabeça em um multidão de cabeças duras. Claro! Cair depois e a queda não levou as habituais mãos primeiro. Foi a cabeça a chegar lá antes de novo.

A mente de Lau se iluminou como um farol. Tudo parecia se conectar e doía parecia uma cirurgia sem anestesia nos olhos abertos incapazes de fechar. Sofrimento e terror… Quase uma retomada de jogos mortais. Ela se lembrou de quando era criança e viu um pássaro escondido entre as folhagens no chão. Ela quis ser “invisível" daquele jeito. Lembrou quando brigava por política, quando jogava futebol e era violenta com os inimigos - porque para ela nada era amistoso. Lembrou de quanto julgava ser religiosa, mas acreditava um pouco em cada religião… Foi quando estudou por si mesma e…  Descobriu: ações são orações e não há em nenhum lugar o decreto de fundar segmentações religiosas contraditórias manipulando o Amor. Contudo, ela defendia: alienação não é religião é acreditar em ideais partidários. Ela nem tinha 18 anos na época… Já andava na contramão.

Ela levantou da queda e olhou em volta. Não era nada parecido com nenhuma Sexta-feira Santa ou Sexta-feira da Paixão. Lau estava ali em pensamento e emoções observando tudo com tanta clareza mesmo com a escuridão ali: viva e independente. Talvez ela realmente fosse a alienígena tão acusada de ser... Mas, agora seu agora era mais intenso. Ela se sentia sob o holofote mais forte do  Twilight Zone. A vida dela sempre tinha sido assim: um convite para olhar pela janela do universo. Antes as pessoas ignoravam, porém desde o início do blecaute, este apagar das luzes parece ter deixado apenas ela acesa. Neste instante ela ouve a porta bater. Ela hesita em atender. Lau sabe! É mais um alguém querendo uma explicação dela sobre si mesmo, sobre o apagar das luzes (assim a mídia vem chamando o evento sem fim) e, impossivelmente, Lau nunca viu a pessoa, mas a conhece como ninguém. Neste momento seu corpo sangra, principalmente, pulsos, canelas, couro cabeludo e tórax.

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