por
Rafael Belo
Todo
dia me mato aos poucos. Em você me suicido quando te permito me matar para eu
sentir esta falsa aceitação, este falso carinho, esta falsa segurança, este
falso amor... Tua atenção tendenciosa muda me cala. Tudo está claro e, claro,
eu só podia ser Clara. Tenho medo de perder este tão pouco de você, então meu
suicídio é também minha permissão de você cometer homicídio em mim. Morro de
qualquer jeito e ainda assim você não estende a mão. Só se aproveita para
depois me ocultar, excluir, bloquear, julgar... A vida me chateia e estou
alheia a todo acontecimento. Tento entender aqui dentro, sabe? Esta angústia,
esta dor, este peso sem fim de não sei o motivo, então me fragmento.
Não
sei se aguento morrer aos poucos. Cometer suicídio é um jogo, um desafio me
cortando, me fazendo matar outros, envenenando o mundo com a dúvida, a divergência,
o poder sobre si mesmo... Suicídio deveria ser rápido. Uma dor só e pronto. Tchau!
Mas carrego uma cruz de alguma parte de mim se matando por outro alguém. Este outrem
nem sabe e, por isso, me mata de volta. Há tanta reviravolta e, finalmente,
participo de algo. Faço parte de um grupo. Alguém me obriga a fazer alguma
coisa, alguém me obriga a sentir na pele, alguém me castiga, alguém realmente
manda em mim, este é o meu fim. Às vezes
tudo me faz sentir magra demais, bonita demais, integrada demais, outras gorda
demais, feia demais, excluída demais... Não me encaixo em nada. Clara: 16 anos
e esquisita.
Talvez
eu seja esta baleia azul e de alguma forma me desafie a finalmente chegar ao
suicídio final. Olho no espelho e vejo um borrão. Escuto alucinações, vejo sons
estranhos... Será possível alguém querer me escutar? Enxergar-me? Dedicar um
tempo para saber quem sou? Meus pais só me cobram coisas e eu? Eu não sou uma
pessoa? Não sou igual a eles? Será verdade: eles tiveram minha idade? Por que
agem como se tivessem nascido adultos? O mundo mudou muito, mas o comportamento
das pessoas ainda segue cruel, querendo impor, precisando expor a raiva acumulada,
a humilhação passada, revidar de alguma forma... É possível aguentar sozinha?
Não somos todos sós? Daqui vejo tudo. Sinto um poder antes nunca sentido. Sempre
me senti diminuída, exposta, pequena e as curiosidade das pessoas é mórbida,
além de vaidosa. Todas estão como eu: em uma gaiola sendo observadas, bebendo
água suja e hipnotizadas pela correria de ter sempre de entregar produção. Temos noção?
Esta
multidão lá embaixo se divide entre o coro de joga, joga, joga, àqueles me xingando tanto por demorar como
àqueles por pensar em me matar e, finalmente, os desejosos de salvarem uma vida,
de serem heróis ou simplesmente fazendo o trabalho a lhes caber... Não importa
nada. Nenhum deles. Não os ouço, não me atingem e não estou enrolando, só estou
esperando o sol se pôr e a lua cheia chegar. Veja está quase lá! O Sol se
foi... Vem lua cheia, vem... Dia, noite e eu. Eles não vão chegar a tempo e já
me matei há muitos dias... Sou sombra da sombra da desatenção. Agora vou correr
para o outro lado. Nossa! Não achei ser tão rápida! Clara vai se apagar neste
momento. Um breve rodapé fora do sistema.
Nenhum comentário:
Postar um comentário