segunda-feira, fevereiro 06, 2017

Ciclos de vazios



por Rafael Belo

A solenidade de uma rosa traz as lembranças poéticas em prosa para as crônicas do dia-a-dia. Nem sempre é alegria nem poderia ser assim. É próprio do ser humano se sentir enfadonho com a mesmice, mesmo se a repetição for um eco sincero do desejo. Enfadonho deriva de enfado e este nasce do tédio. Puxei a etimologia porque ela vai mais além, vindo lá do latim fastidium: desprezo nascido da arrogância. Vivemos uma era de desprezo e isto ficou tão claro diante do desejo de morte ao outro, especificamente nesta última semana com a ex-primeira-dama Marisa Letícia.

Um ser humano deixou a vida. É tempo para refletir, mas queremos conflitos. Temos a arrogância de na atual situação do mundo defender partidos e políticos atacando deliberadamente o outro, disseminado o ódio e o desamor porque Amor é outra manifestação incabível em explicações, vai bem além do sentimento pura e simplesmente. Diariamente apontamos o dedo e entramos em guerras homéricas semeando o desrespeito. As folhas caídas são secas, amargas e o fruto colhido só pode ser insosso.

Não há graça neste fomento de destruição. Rir da desgraça alheia é jogar areia nos próprios olhos esfregando até sangrar desejando a cegueira daquele outro a chorar. Uma onda de indignidade surge a todo instante revelando uma desconexão agravante nesta vida publicada nas redes sociais, nesta conexão sem fim, levando o respeito para o fundo do mar. Assim, aquela morte enterrada, superada foi ressuscitada em zumbis vestindo nossas peles em tantas cores do despropósito chegando a nos impedir de saborear a vida, a nós mesmo e ao oferecimento do outro.


Realmente só oferecemos aquilo latente em nós e estamos tão cheios de ódios e discórdias... Ao invés de nos esvaziarmos de preconceitos, de excessos, de sentimentos desnecessários, da pressa, dos acúmulos, das culpas, nos esvaziamos da nossa própria alma, da soma multiplicada no abraçar o próximo, no ouvir, no não julgar, no estar presente no equilíbrio das uniões e formamos ciclos de vazios loteando todos os terrenos destinados as nossas plantações de orquídeas, margaridas, rosas e girassóis.

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