sexta-feira, fevereiro 24, 2017

Preferência mortal (miniconto)




por Rafael Belo

Estava tudo bem até elas falarem. Não, não estava, não é?! O silêncio trouxe o clima tenso cortando o ar com a navalha delinqüente guardada sob a língua. Não! Espera! Também não era isso?! Era uma imposição. Isso! Isso sim incomodava. Não era a opinião. Porque esta pertence a cada um. Mas, a vitimização como argumento, a dramatização como fundo, a obrigação como cotidiano e o livre-arbítrio para o de vez em quando estava à flor da pele. Era preferível a gritaria do estouro, da explosão da raiva incabida a este silêncio matador, assassino, tão pesado deixando as duas curvadas ruminando as próprias, opiniões, as próprias frustrações, aquelas expectativas irreais e mudas.

Mas é Carnaval, vamos deixar encerrado por aqui, na quarta-feira de cinzas a gente desmuda e começa de novo... Não? Não podemos voltar só daqui a cinco dias de folia? Não é assim o funcionamento do Brasil, das pessoas? Esquecer não é o normal? Como?! Ah, sim! Ninguém esquece realmente se não seguir em frente... Mas, não é tão simples aceitar este fato e quem somos de fato, Katilneila, afinal, fomos criados para projetar nossas expectativas, para cobrar do externo, ou seja, dos pais, dos chefes, do mundo, dos políticos, mas o outro não tem nada a ver com nossos pensamentos, nossos sentimentos, só nós temos, Katilneila, é isso mesmo?

Causa e efeito não funciona mais do mesmo jeito?! Certo. Estou me fazendo de boba? Você tem razão! Estou negando saber, eu sei. Admitir isso é admitir minha capacidade de mudar e é doloroso ser completa. Fragmentos assim é mais fácil lidar, sabe?! Menos intenso. Distribuir minhas responsabilidades torna mais leve. Nada posso fazer se não sou eu, certo? Oi? Sim, sim... Ilusões perdidas, perdidas ilusões... Então, causa e efeito mudaram. Como? Bom, se eu, uma executiva com sobrenome famosa roubar posso nem ser acusada, mas se a Edilaia, for fazer faxina e sumir algo na casa, ela poderia ser presa... Achou errado. Não pode ser presa sem provas, o sindicato é forte, a imprensa dá visibilidade...

Fugindo do assunto? Não tenho nada a dizer. Não preciso me desculpar, não quero obrigados, só pare de esperar algo de mim. Nesta época de relatividade há infinitas possibilidades para a mesma ação. São tantas reações, tantos pensamentos diferentes, tantos sentimentos subdesenvolvidos... Não. Subdesenvolvido não é categoria, é burocrático, é rótulo...! Aprendi a lidar só com meu exterior, com quem está fora. Quem está dentro é uma desconhecida! Por isso, volto ao início e prefiro o silêncio tenso desta imensidão aqui fora a gritaria e pancadaria aqui dentro. Volto ao sofrimento das expectativas. 

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