quarta-feira, fevereiro 15, 2017

Despetalar (miniconto)




Por Rafael Belo

Ella sumiu durante um ano. Queria gravar suas próprias séries, mas se distanciou do próprio mundo. Seria a cineasta com mais bagagem. Teria seus próprios recordes no Guinnes Book e eram tantas probabilidades... Sua mente saia fumaça. Havia uma quantidade de opções incontáveis e, Gabriella, preferia ser Ella. Todos diziam seja isso, você é boa nisso, trabalhe com aquilo... Só faziam gerar irritação, então, Ella se afastou. Já era órfã até de parentes parou com a vida tão badalada indo a todos os eventos possíveis de participar. Resolveu não atender celular, não responder nada das redes sociais...

Estava sozinha como se sentia. Órfã de si mesma. Só absorvia aquelas imagens intermináveis de séries sem fim. Utilizou suas habilidades de cracker para criar uma nova identidade e com isso mudou todos os seus números. Ninguém mais a conhecia nem poderia falar com ela. Recebia por pequenos trabalhos, mas com grandes quantias. Era investigadora virtual. Procurava cada curtida, cada compartilhamento, cada conversa... Enfim, tudo passível de incriminação e procurava a cliente ou o cliente em potencial. Juntou dinheiro suficiente para realmente sumir e assim o fez.

Não se dava conta do tempo. Só via séries crackeadas e não tinha necessidade de horário para nada. Mal se higienizava. Talvez tivesse o mal do século, mas não parecia depressiva. Só desistira das pessoas e as pessoas desistiram dela. Na verdade, Ella havia mudado tantas vezes na surdina... Era muito difícil localizar quem não queria ser encontrado. Fazia questão de ser intratável e grosseira com todos... Não deixou saudades. Mas, há sempre alguém em busca de você. Ella não era diferente. Não tinha morrido. Então, um certo alguém a procurava por toda parte. Não sabemos o nome dele...


Ele havia enxergado o desejo dela de afastar o mundo e isso, não há explicação do motivo, o atraiu. Ella era uma lenda na cidade onde morou por último “graças” ao desconhecido obcecado – ou seria apaixonado – por ela. Contava histórias fantásticas sobre a intratável criatura. Ele sabia quem Ella era. Talvez mais até se compararmos a decadência dela. Tudo armazenado na cabeça dela era relacionado às séries e a conversa era sobre séries. As conversas solitárias traziam arrependimento do abandono do mundo. Não queria ser mais a órfã. Quando sua campainha tocou, Ella abriu sem pensar e sorriu para Ele como quem se apaixona em uma dessas séries pela primeira vez e começa a se despetalar.

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