sexta-feira, março 20, 2015

Do lado de baixo (miniconto)


por Rafael Belo


Depois de tanto empinar o focinho, o porquinho conseguiu focar a visão. Porquinho, não! Porco! Não como o besta do Baby, porcos nunca foram nem seriam daquele jeito. Orwellianos, então, nem serão. Aliás, ele era o leitão que mandava. Leitão grande e vistoso, sempre à vista. Era a revolução em “porcoa”. Nada de bicho, nada mais animal que o homem.

Territorial, tinha presença de cercado e o atravessava, às vezes, a passos cruzados, mas normalmente trotava imperial de cá pra lá, de lá pra cá. Só queria consumir e se consumia na impaciência e agitação. Inquieto grunhia e bufando tentava encarar do lado de baixo. Deixando tantas marcas de patas quanto uma legião de porcos. Uma vara invadindo e devorando até a suposta chusma dominante por ali.

Mas, não! Era sozinho. Corrupta solidão... Só, sentia raiva e cercava a cerca por dentro... Sua ambição diária era mostrar ser a própria vara independente servida por uma pessoa ou uma chusma. Para Porco era corja o servindo e o alimentando. Tudo a ser feito era comer e crescer. “Ah, que belo leitão eu sou...”, se suspirava.

Tinha uma vaga perturbação e enuveava seus brilhantes olhos desafiadores. Quando a chusma se divertia, sua corja “porcoal”, um dia antes sumia uma galinha e codornas do quintal... Sem noção de tempo, sabia haver uma hora só dele, mas preferia ser déspota imortal. Lembrava de histórias de terror natalinas do tempo “porcal” do fim da engorda quando a corja devorava o melhor leitão... Por isso, se fazia selvagem, fingia voltar a ser javali, mas tudo isso porque temia acumulações de gente, era o cúmulo a diversão dos outros ser seu provável funeral.

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