domingo, março 08, 2015

Estamos acostumados? (resenha de Objetos Cortantes)

por Rafael Belo


Para cortar é preciso estar afiado? Até papel corta e faz o sangue escorrer viscoso, faz poças psicológicas coagulando em algum canto do cérebro e do corpo. É cortante as reações das pessoas e da natureza em contraste as possibilidades contrárias, algo sem fio, mas com ponta pode ser perfeitamente perfurante. Até uma coisa antiga e enferrujada acaba por ser danosa e mais letal que a morte. Basta ser forte ou fraco o suficiente. Objetos cortantes de Gillian Flynn é uma estreia feita do metal mais mortal recortando a realidade.

Muitos mistérios flutuam cegantes à vista com quinas machucando o tempo todos os personagens profundos e demasiadamente humanos deste livro que lhe oferece uma tesoura para picotar rasos papéis. Michelle, Adora, Amma e Marian são a família disfuncional e voluntariosa desta surpreendente leitura. É como matar a vontade de nadar em um desconhecido rio em um dia de vento gelado, mas com a temperatura acima de 40 graus.

Primeiro tocamos a água com as mãos e recuamos, depois ingerimos coragem aos olhos desconfiados e desafiantes dos outros nos impulsionando a ousar o pé. Água derretida das próprias calotas polares... Sentamos e nervosos olhamos em volta para garantir não sermos empurrados em sentir milhares de agulhas furando todas as partes do nosso corpo simultaneamente. Saímos do raso junto com a autora e aprendemos a nadar em sua obra.

Quando a água já está na cintura queremos mergulhar. Está frio lá fora e a autora tornou aquela estreia dela nossa estreia em sua leitura. Está confortável, bom e já não há mais aquela vontade de sair. Na visão de Michelle descobrimos os crimes e quem os praticou desta maneira mais chocante e pior, com crianças, estamos imersos com a personagem até o fim, se bem que o fim poderia ser mais elaborado, ou seria apenas mais uma forma de término ao qual não estamos acostumados?

As palavras são como um mapa de estradas para o passado perturbado da jornalista Camille Preaker. Acabada de vir de uma estadia breve num hospital psiquiátrico, o primeiro artigo que o jornal de segunda categoria onde Camille trabalha lhe atribui leva-a relutantemente de volta à sua cidade natal para cobrir o assassinato de duas pré-adolescentes. Desde que saiu da cidade há doze anos, Camille raramente falou com a sua neurótica e hipocondríaca mãe, nem com a meia-irmã que mal conhece...

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